10 - O Caminho da Salvação — A Relação entre Fé e Obra em Tiago 2 | Watchman Nee
O Caminho da Salvação — A Relação entre Fé e Obra em Tiago 2
Quando lemos o livro de Tiago, devemos tomar cuidado com uma coisa. Podemos ler somente o que está dito; não podemos adicionar a ele nossos próprios conceitos. O que deve ser levado em conta é o que Tiago disse. O que for acrescentado não deve ser considerado. Não leia seus próprios pensamentos no livro de Tiago. Você deve ver o que Tiago disse e não o que ele não disse.
O TEMA DE TIAGO É MISERICÓRDIA — JUSTIFICAÇÃO É SECUNDÁRIO
Vamos ler Tiago 2:14-26. Contudo, antes de lermos essa passagem, quero fazer uma pergunta: Qual é o contexto desses versículos? Paulo escreveu o livro de Romanos com um tema em mente. Ele também escreveu Gálatas com um tema em mente. Romanos diz que o homem é justificado pela fé no Senhor Jesus Cristo; Gálatas diz que o homem não é justificado pelas obras. Romanos fala do lado positivo; Gálatas fala do lado negativo. Romanos declara positivamente como o homem é justificado; Gálatas argumenta, do lado negativo, como ser justificado e como não ser justificado. Portanto, os dois livros, Romanos e Gálatas, complementam-se. O tema desses livros é estritamente a justificação. Eles tratam especificamente do problema da justificação. Um trata do problema do lado positivo; o outro, do lado negativo.
Muitas pessoas acham que Tiago 2 é um capítulo difícil. Qual é o tema de Tiago 2? O tema de Romanos é a justificação e o de Gálatas também é justificação. Mas qual é o tema de Tiago 2? O tema desse capítulo compreende pelo menos a misericórdia e a ajuda aos outros. Que dizem os versículos anteriores a essa porção? Começando do versículo 6, Tiago diz: “Entretanto, vós outros menosprezastes o pobre. Não são os ricos que vos oprimem, e não são eles que vos arrastam para tribunais? Não são eles os que blasfemam o bom nome que sobre vós foi invocado? Se vós, contudo, observais a lei régia segundo a Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo, fazeis bem; mas, se, todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo argüidos pela lei como transgressores. Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, aquele que disse: Não adulterarás, também ordenou: Não matarás. Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei. Falai de tal maneira e de tal maneira procedei como aqueles que hão de ser julgados pela lei da liberdade. Porque o juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o juízo” (Tg 2:6-13). O tema desses versículos é a demonstração de misericórdia. Tiago diz-nos não para favorecer o rico, mas, pelo contrário, para cuidar dos humildes e mostrar misericórdia para com o pobre. Isso é o que os versículos de 1 a 13 dizem. Além disso, o versículo 1 é uma continuação do capítulo 1. O último versículo do capítulo 1 diz: “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tg 1:27). Esse é o tema de Tiago. Se um homem disser que é um cristão piedoso, sua piedade deve ser manifestada no seu cuidado pelos órfãos e viúvas e na sua oferta a eles. Ele não deve convidar alguém que use vestes ricas para sentar-se em um bom lugar e pedir que os órfãos, as viúvas e o pobre sentem-se debaixo do estrado de seus pés. Ele deve cuidar, mostrar misericórdia e suprir os desprezados. O assunto de Tiago é a religião pura e sem mácula. A religião pura e sem mácula é manifestada para com o pobre, o humilde e o desprezado.
Tiago 2:15-16, ele continua a falar sobre o suprir: “Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?” (Tg 2:15-16). No final do capítulo um, o tema de Tiago é revelado, qual seja, cuidar dos órfãos e viúvas. Ao final da primeira seção do capítulo dois, ele diz que devemos mostrar misericórdia para com os outros, que devemos suprir o pobre e não desprezá-lo. Na segunda seção do capítulo dois, Tiago nos diz o que alguém deveria fazer quando vir um irmão ou irmã sem vestimenta e carente do sustento diário. Todas essas palavras têm a ver com dar aos outros, mostrar misericórdia para com outros, não desprezar o pobre e ajudar os outros. Os versículos de 14 a 26 falam superficialmente sobre justificação. A questão da justificação é mencionada somente de passagem. Por ser a misericórdia, o dar e o cuidar dos órfãos e viúvas o tema, a justificação é mencionada somente de passagem, como meio de chegar à meta no desenvolvimento de seu tema. Portanto, vemos que Tiago não está ensinando a questão da justificação no seu livro.
O tema de nossas reuniões nessas duas semanas passadas tem sido a salvação de Deus. Mas suponha que nesse período eu me levante na manhã de domingo e dê uma mensagem, não sobre salvação, mas sobre vencer ou sobre o reino ou sobre como reinar com o Senhor Jesus no milênio. Aquele seria o tema da minha mensagem. Enquanto falasse, poderia mencionar de passagem oito ou nove sentenças sobre salvação. Se você desejasse compreender a doutrina da salvação, não consideraria as outras mensagens que dei no restante das duas semanas? Você ignoraria tudo aquilo que foi falado em duas semanas e tomaria apenas as oito ou nove sentenças que ouviu naquela única mensagem? Romanos e Gálatas tratam especificamente de justificação, enquanto Tiago somente menciona umas poucas palavras sobre ela. O seu tema não é a justificação, tampouco é seu propósito ensinar justificação. Seu objetivo é exortar os outros a dar; a questão da justificação é mencionada apenas de passagem. Uma pessoa não pode destruir Romanos e Gálatas com as poucas palavras de Tiago sobre justificação. Tiago, então, está em conflito com Romanos e Gálatas? Em breve você verá que não. Mas desde o início, quero que compreenda precisamente o tema de Tiago. Ele não falou sobre justificação. Ele falou sobre misericórdia, sobre cuidar e sobre o que alguém deve fazer pelos órfãos e viúvas.
A FÉ SEM OBRAS É DE NENHUM PROVEITO
Portanto, Tiago não está falando sobre ter fé ou não ter fé. Tampouco está falando de obras para os que têm fé. Tiago está falando especificamente sobre obras para os que dizem ter fé. Ele não trata das obras de cristãos, mas das obras dos que se dizem cristãos. Ele está tratando das obras dos membros nominais da igreja e dos cristãos nominais que dizem ter fé. Tiago 2 diz “se alguém”. Não diz “se algum cristão”.
O versículo 14 prossegue dizendo: “Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo?” Que é “semelhante fé”? Se a fé não pode salvá-lo, que pode, então? Tiago refere-se à “semelhante fé”, não simplesmente à “fé”. Se a fé não pode salvar-nos, não precisamos mais pregar. Contudo, Tiago refere-se à “semelhante fé”, isto é, a fé que alguém tem em seus lábios. Não distorça o que Tiago está dizendo. Ele não está falando sobre a fé salvando esse homem. Ele está falando sobre aquele tipo de fé salvando-o, isto é, o tipo de fé que alguém tem somente nos lábios. Não sei se você já conheceu pessoas assim. Eu conheci. Dizem que são cristãos, que crêem nisso e naquilo, e que sua fé é isso e aquilo. Pode essa fé salvá-los?
A FÉ SEM OBRAS É MORTA
“Sem, contudo, lhes dardes o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?” O propósito da ilustração de Tiago não é o de discorrer sobre justificação. Pelo contrário, é de exortar os irmãos e irmãs a adotar medidas práticas. Nosso amor para com os irmãos e irmãs não deve ser somente de palavras, mas igualmente ser evidenciado na conduta. Se vir alguém necessitando de roupa e comida, você deve dar-lhe roupa e comida. Você deve cuidar dele. Essa é a razão de Tiago dizer isso. Tiago é contra alguém dizer: “Vá em paz, pois eu já cri por você”. Tiago diz aqui que agora não é o momento para você crer; agora é o momento para você abrir sua carteira. Nesse momento, para você, a fé não é a questão; a questão é o soltar seu dinheiro. Se você agarra-se firmemente à sua carteira e diz aos outros para irem em paz, dizendo que tem fé, qual o benefício desse tipo de fé? Se você deparasse com um irmão ou irmã pobre e não desse tudo o que tem para ajudar e cuidar dele, mas somente dissesse que crê por ele e que ele pode ir em paz; — fosse esse o tipo de fé que você exercitasse ao crer no Senhor Jesus, será que tal fé o salvaria? Se esse é o tipo de fé que você exercita para com os irmãos e irmãs, e se esse é o mesmo tipo de fé que tem quanto à sua justificação, então eu duvido que esse tipo de fé irá justificá-lo. Tiago mostra que se esse é o tipo de fé que você possui para com os irmãos e irmãs, então talvez esse também seja o tipo de fé que você tenha para com o Senhor Jesus. Se a fé que tem para com os irmãos e irmãs é a mesma que tem com relação à salvação e justificação, duvido que semelhante fé possa salvá-lo. Se não houver base para o seu crer em roupas quentes e alimento abundante, então não haverá base para a sua fé na salvação e justificação. Contudo, se vir um irmão em pobreza e der-lhe dinheiro, roupa ou comida, e então crer, haverá base para sua fé.
Quando Deus o viu nu, faminto e pobre, foi assim que Ele disse: “Fique aquecido e saciado. Que você nunca vá para o inferno. Que você vá para o céu”? Se a fé de Deus fosse como a sua, ninguém seria salvo na terra. Mas, que fez Deus? Quando Ele nos viu pobres, famintos, nus, e mortos em pecado, Ele veio cumprir a obra da redenção a fim de que pudéssemos ser salvos. Graças ao Senhor. Primeiramente, Ele demonstrou Sua obra diante de nós; a seguir nós a recebemos. A sua fé para com os irmãos e irmãs é uma fé vã? Se Deus fosse vão com você, tudo sem dúvida seria vaidade. E, se você é fútil para com Deus, sua fé, sem dúvida, também é vazia. Sabemos que somos justificados e salvos e que temos a vida eterna. Por que é assim? É porque Deus não está assentado nas nuvens dizendo: “Que todos em todo o mundo sejam salvos e que ninguém vá para o lago de fogo”. Pelo contrário, Deus desceu pessoalmente do céu para levar a cabo a Sua justiça e tratar com o pecado na cruz. Por Deus ter realizado uma obra concreta, hoje podemos ter fé. Essa é a razão de nossa fé no Senhor Jesus Cristo, hoje, ser digna de confiança.
O versículo 17 diz: “Assim também a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tg 2:17). Tiago não diz que um homem não é salvo pelo crer. Ele não quer dizer que um homem não é justificado ou não tem a vida eterna pelo crer. Ele quer dizer que ao ouvir tais palavras desse tipo de pessoa, você sabe que a fé dela é morta. Se você pedisse a Paulo para vir aqui hoje e comentar sobre isso, até ele mesmo diria que esse tipo de fé é morta. Se alguém simplesmente diz que tem fé, mas não tem uma expressão exterior disso, essa fé deve ser morta. Pois não importa quão grande seja a fé de alguém, os outros ainda precisam de veste e comida. Eles não podem cobrir sua nudez com a luz do céu. Tampouco podem comer o ar para satisfazer sua fome. Portanto, uma fé sem obras é vazia e morta.
DEMONSTRAR FÉ POR MEIO DAS OBRAS
Devemos considerar a palavra mostrar aqui. Essa pessoa diz: “Mostra-me” e “te mostrarei”. Portanto, Tiago 2 não fala de um homem ter fé ou não perante Deus. Tampouco trata de nossa fé perante Deus; pelo contrário, trata da nossa fé diante dos homens. Se alguém se vangloria diante do homem de que tem fé, você deve dizer a tal pessoa: “Mostre-me sua fé sem obras”. Tiago 2 trata do problema da fé diante dos homens. Ninguém pode ver se você tem fé ou não. Outros vêem somente se você tem obras, isto é, se alimenta os outros e dá roupas para que se vistam. Você percebe que isso também requer fé? Suponha que haja um irmão ou irmã aqui, nesta noite, que tenha carência de roupas ou comida. Se disser a ele ou a ela que, uma vez que creiamos, seremos vestidos e alimentados, isso não é suficiente. Tiago diz que temos de alimentá-lo e vesti-lo e ao mesmo tempo devemos ter fé. Você percebe que a fé é necessária para se dar sustento aos outros? Essa fé provém de dois lados. Se não tiver muito dinheiro, talvez umas poucas moedas em meu bolso, e vir alguém sem comida e roupa, tenho de exercitar a fé. Não preciso ter fé pelos outros; para com eles preciso de obras somente. Todavia, por mim mesmo, preciso de fé. Se não tiver fé, provavelmente não serei capaz de dar essas poucas moedas até que tenha reconsiderado e contado algumas vezes mais. Vou querer saber se serei capaz de conseguir de volta o que vou dar. Mas se puder dar espontaneamente as poucas moedas, isso deve significar que tenho fé. Portanto, ao ver um homem pobre e dar-lhe comida e veste, você deve ter fé antes que possa ter as obras. Sem as obras, sua fé não pode ser manifestada. Além disso, mesmo que você seja rico e que não precise de muita fé para dar um pouco, como sabe que após ter dado o dinheiro, isso não prejudicará aquele que recebeu, levando-o a procurá-lo novamente a fim de que você carregue o fardo dele? Se fizer o bem aos outros indiscriminadamente, isso não faria com que buscassem ajuda no homem continuamente? Muitas vezes não damos nada aos pedintes por temer que agindo assim façamos deles eternos pedintes. Assim, mesmo que seja uma pessoa rica, você deve ter fé de que Deus pode impedir que a pessoa desenvolva o mau hábito de dependência e confiança nos outros. Você deve crer que Deus não quer fazê-lo carregar o fardo dessa pessoa continuamente. Isso é uma obra, mas é uma obra de fé. É uma obra que provém da fé.
Aquele que faz grandes promessas e profere palavras vazias parece ter uma grande fé. Contudo, na verdade, ele não tem fé alguma. Se você tiver fé, deve tirar seu casaco e deixar que outro o vista. Deve convidar outros a comerem sua comida. Se apenas falar de fé, você não a tem. Portanto, Tiago concluiu que este tipo de falar é pecado. O ponto aqui não é que fé é errado, mas que falar palavras vazias é errado. No capítulo anterior falamos sobre fé. No penúltimo também falamos sobre fé. Contudo, ainda não demos atenção a esse tipo de fé. Visto que Tiago era contra ela, nós também nos opomos a ela. É inútil falar palavras vazias.
O versículo 19 diz: “Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios crêem, e tremem” (Tg 2:19). Essa é uma palavra dura. Você crê que Deus é único. Faz bem em crer assim. Os demônios crêem nisso também, contudo eles tremem. Por favor, considerem a palavra. A questão hoje não é se você crê ou não. Se disser que crê, ninguém pode dizer o contrário. O problema é que até mesmo os demônios crêem. Todavia, eles não têm paz. Os apóstolos não escreveram aos demônios, dizendo: “Paz seja convosco. Que Deus possa abençoá-los e aos anjos caídos”. Apesar de os demônios crerem, eles tremem. Esse tipo de fé não faz bem a eles. Sua fé faz com que tremam e percam a paz. Se você diz que crê, o seu crer é do mesmo tipo que os demônios têm? As palavras de Tiago são muito fortes e afiadas. Sem dúvida, você crê em Deus. Contudo, os demônios também o crêem. Você diz que crê, mas ao mesmo tempo treme, sente medo e fica nervoso. Portanto, você está na mesma posição dos demônios. Ao continuar a leitura, compreendemos a que Tiago se opõe. Tiago não é absolutamente contra a fé. Ele é contra certo tipo de fé. Tiago não está dizendo que a fé não justifica. Ele está simplesmente dizendo que este tipo de fé não justifica.
No versículo 20, Tiago chama essas pessoas pelo nome. Ele as chama pelo que são. Ele não as chama de irmãos e irmãs. Ele não as chama de seus amados, como Paulo fazia; tampouco as chama de pais ou filhinhos, como fazia João. Pelo contrário, ele as chama de insensatas. “Queres, pois, ficar certo, ó homem insensato, de que a fé sem as obras é inoperante?” Note as palavras queres, pois. Por Tiago ter dito isso prova quão insuportável era a atitude delas. Quando outros falavam a Palavra de Deus a elas e as admoestavam, ainda assim não criam. Portanto, Tiago pergunta se elas queriam ficar certas de que essa espécie de fé é morta. Não que fossem incapazes de saber ou de ter clareza. Não é que ninguém as ensinasse. É simplesmente uma questão de não estarem interessadas em saber. Suponha que eu tente falar a um irmão, e ele olha para outro lado. Ao tentar novamente, ele olha para outra direção. Tentando pela terceira vez, ele começa a falar com outro irmão. Então eu diria: “Irmão, você quer ouvir-me ou não?” Isso é o que Tiago está falando aqui. Vocês estão dispostos a entender que esse tipo de fé sem obras é morta?
Ao lermos a Bíblia, devemos pedir a Deus que nos mostre as circunstâncias em que aquela porção foi escrita. Tiago chama esse tipo de pessoa de insensatos. Eles colocam tudo às claras para que outros vejam e comentem, e assim exibem a si mesmos. Eles querem tomar parte em tudo. Querem falar alto onde quer que estejam. Tiago diz que esse tipo de pessoa deve ser subjugado. ‘Ó homem insensato, você está disposto a saber que esse tipo de fé é inútil?’ Visto que não ouviram após ter-lhes falado tanto, ele tem de ironizar e gritar um pouco com eles.
O EXEMPLO DA JUSTIFICAÇÃO DE ABRAÃO
Ao usar o exemplo de Abraão, Paulo refere-se a Gênesis 15, enquanto Tiago refere-se a Gênesis 22. Em Gênesis 15 Deus prometeu a Abraão que a sua descendência seria como as estrelas do céu. Em Gálatas 3, Paulo enfatiza intensamente a promessa de Deus a Abraão. No livro de Gálatas, Paulo repetidamente fala da promessa. A palavra promessa é usada com muita freqüência no livro de Gálatas. Paulo exalta a promessa em Gálatas.
Você sabe o que é uma promessa? Em todo o mundo, há somente uma única maneira para o homem receber uma promessa, que é pela fé. Não existe outra maneira para o homem recebê-la. Há somente essa única condição. Se Deus disser que devemos fazer algo e nós o fizermos, isso é obra. Mas Deus não disse a Abraão que lhe daria algo caso fizesse isso ou aquilo. Pelo contrário, Deus disse que lhe daria descendentes. Como Abraão recebeu a promessa? Não havia outra maneira senão por meio da fé. Suponha que um irmão diga a seu filho que se ele memorizar uma lista de palavras esta noite, receberá cinco doces amanhã. Se o filho quiser receber os cinco doces, ele tem de memorizar as palavras. Isso é obra. Contudo, se o pai simplesmente promete ao filho os cinco doces, que seu filho tem de fazer? Dirá ele: “Tenho de fazer isso ou aquilo antes de conseguir o doce?” O menino não tem de fazer nada. Tudo o que tem a fazer é acreditar que seu pai fará isso para ele. Em Gênesis 15 Deus não deu a Abraão uma única coisa para fazer. É como se Deus dissesse: “Eu o farei para você. Dar-lhe-ei descendentes”. Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça (Gn 15:6). Voltando ao exemplo do filho do irmão, o menino poderia dizer: “Meu pai realmente me dará cinco doces? Não parece que uma coisa boa assim possa acontecer”. Se pensar assim, ele não tem fé. Todos os que querem entender o livro de Gálatas devem perceber que uma promessa não implica condição nem obra. A pessoa não tem de fazer coisa alguma. O Pai fez tudo. Graças ao Senhor que tudo o que Deus promete Ele cumprirá. Já que Deus é fidedigno, tudo está bem. Mesmo que alguém tente fazer uma obra, ela não terá utilidade.
Em Gênesis 15 Deus prometeu a Abraão que lhe daria muitos descendentes. Abraão tinha tudo. Todavia ele não tinha filho. Ele possuía gado, ovelhas e tendas. Contudo, ele não tinha filho. Entretanto, Abraão creu em Deus. Ele creu que Deus lhe daria um filho. Ele simplesmente creu em Deus. Ele não fez nenhuma obra. No capítulo vinte e dois, após ter-lhe dado um filho, Deus disse a Abraão: “Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes, que eu te mostrarei” (v. 2). Então Abraão levantou-se cedo de manhã e levou seu filho ao monte Moriá. Ele colocou a lenha para o holocausto nas costas de seu filho Isaque e este a carregou, da mesma forma como o Senhor Jesus carregou a cruz. Quando chegaram ao monte, Abraão erigiu um altar, pôs seu filho sobre este, e estava prestes a matá-lo. Este é o acontecimento que Tiago relembra ao referir-se à justificação de Abraão. Em Gênesis 15 a justificação de Deus a Abraão estava relacionada com seu filho. E, em Gênesis 22, a justificação de Deus para ele também estava relacionada com seu filho.
Em Gênesis 15 Abraão não tinha filho. Contudo ele creu em seu coração que se Deus disse que lhe daria um filho, ele certamente teria um filho. No capítulo vinte e dois ele de fato teve um filho, mas Deus quis que ele oferecesse esse filho. Se Abraão não tivesse tido fé, ele teria dito: “Deus, Tu me disseste que me darias muitos descendentes. Ora, se eu matar meu filho, não perderei a todos? Não é que não queira fazer isso; apenas quero ver Tua promessa cumprida. Não que eu tema fazê-lo; simplesmente quero preservar Tua fidelidade”. Você acha que Abraão oferecer Isaque foi uma obra ou um ato de fé? Que boa obra é essa, matar o filho de alguém? Que há para se louvar em matar o próprio filho? O fato de Abraão levantar o cutelo para sacrificar seu filho mostra que ele ainda cria na promessa do capítulo 15. Deus havia prometido dar-lhe muitos descendentes, e para esse fim Ele lhe havia dado um filho. Agora, se Deus queria que ele matasse o filho, devia ser porque Deus o ressuscitaria dentre os mortos. Isso é o que Abraão pensou quando estava prestes a matar seu filho. Sua prontidão em matar o filho mostra que ele cria que Isaque seria ressuscitado dentre os mortos. A fé em Gênesis 15 é a fé Naquele que chama à existência as coisas que não existem, enquanto a fé em Gênesis 22 é a fé Naquele que ressuscita as pessoas dentre os mortos (Rm 4:17). Em ambos os casos, o que Abraão fez não foi algo de obra, mas de fé. O ato de Abraão provou que ele tinha fé. Isso não significa que Abraão podia ser justificado matando seu filho. Significa que ao sacar o cutelo, ele provou que tinha fé. A prova da fé de Abraão estava na sua disposição de oferecer seu filho.
Portanto, Tiago não disse que não se pode ser justificado pela fé. Paulo diz firmemente que justificação não é por obras, mas Tiago não poderia dizer firmemente que a justificação não é pela fé. Se ambos se contradissessem, esperaríamos que um deles dissesse: “Justificação é proveniente da fé, não de obras”, e o outro: “Justificação é proveniente de obras, não de fé”. Contudo, Tiago não diz isso. Não devemos dizer o que Tiago não disse. Tiago não diz que não devemos ter fé; ele diz que alguém deveria demonstrar sua fé com sua obra. Paulo é alguém que fala do princípio, assim ele pode ousadamente declarar que a justificação é proveniente da fé e não de obras. Tiago é um homem de prática. Assim, ele diz que a pessoa deve ter não somente a fé, mas deve ter as obras igualmente. Somente quando existem obras o homem demonstra que sua fé é genuína. Leiamos Tiago 2:21 novamente: “Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho, Isaque?” A oferta de seu filho foi uma obra, e foi essa obra que demonstrou que ele tinha fé.
O versículo 22 diz: “Vês como a fé operava juntamente com as suas obras”. Paulo ousa dizer que alguém pode ter apenas a fé, sem as obras. Contudo, Tiago não ousa dizer que alguém deve ter somente as obras, sem a fé. Ele indica que a fé em Gênesis 15 e a obra em Gênesis 22 andam de mãos dadas. Então ele acrescenta outra frase. Ele não diz que a justificação vem por meio da fé acrescida da obra. Pelo contrário, ele diz: “Foi pelas obras que a fé se consumou”. Em Gênesis 15 vemos que por Abraão ter fé, ele foi justificado perante Deus. Em Gênesis 22 vemos que por Abraão ter as obras, ele foi justificado perante os homens. A justificação de Abraão foi consumada pela sua obra em Gênesis 22. A oferta de Isaque em Gênesis 22 manifestou a fé em Gênesis 15, e a fé em Gênesis 15 foi consumada pela obra em Gênesis 22.
No versículo 23 nosso irmão Tiago também faz citação de Gênesis 15. Em Romanos 4 Paulo cita Gênesis 15 para provar que a pessoa precisa de fé somente, não de obras. Agora nosso irmão Tiago cita a mesma palavra que Paulo: “E se cumpriu a Escritura, a qual diz: Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça”. Em Tiago a palavra isso refere-se ao ato no monte em Gênesis 22. Abraão ter oferecido Isaque em Gênesis 22 foi uma oferta de fé. Foi uma obra que manifestou sua fé. Foi um cumprimento das palavras em Gênesis 15, que diz que Abraão creu em Deus e foi-lhe isso imputado para justiça. Em Gênesis 15 Deus justificou Abraão devido à sua fé. A obra de Abraão em Gênesis 22 cumpriu a promessa de Deus em Gênesis15. Portanto, não podemos dizer que a fé somente não salva e que há necessidade de obras também. A condição para a salvação é a fé, não as obras. Todavia se existir fé, então espontaneamente haverá uma mudança em obras.
Suponha que haja um homem cuja ocupação seja a de fazer dinheiro de imitação para ser queimado a ídolos. Um dia ele ouve o evangelho e crê. Contudo, após crer, ele continua a fazer dinheiro de imitação. Isso está errado? Ele compreende no seu íntimo que o dinheiro de imitação é para adoração a ídolos e que um cristão não pode fazer tal trabalho. Se você perguntar se ele crê ou não no Senhor Jesus, ele diria que sim. Mas se ele desistir do seu negócio com dinheiro de imitação, como irá sustentar-se? Ele confessa que é cristão, mas não podemos dizer com certeza que seja salvo. Não sabemos se ele foi salvo perante Deus, se ele tem fé ou não. Se virmos uma pessoa que crê que o Senhor Jesus é o Filho de Deus e que Ele foi crucificado por ele, e que crê no evangelho de Deus plenamente, no entanto não desiste de tal negócio por temor de perder sua subsistência, não há como dizer se ele é realmente salvo. Talvez ele tenha fé diante de Deus. Embora a semente tenha sido semeada, o broto ainda não saiu. Somente podemos saber com certeza após as folhas saírem. Não digo que ele não seja salvo. Digo apenas que não estamos certos se ele é salvo ou não. Aqui está a diferença. Não existe questionamento sobre o ser salvo pela fé. Todavia, se nenhuma obra resultar da fé, os outros não saberão acerca desta fé. Isso não é absolutamente uma questão de bom ou mau comportamento. Perceba isso com muito cuidado. Tiago 2 não fala absolutamente sobre bom ou mau comportamento. A ênfase em Tiago 2 é sobre as obras que provam a fé de alguém. Tiago 2 não nos diz para focalizar nossa atenção em boas ou más obras. O que ele enfatiza são as obras que resultam da fé. Muitas pessoas são muito boas em suas obras. Contudo, essas obras não manifestam sua fé. São obras sem fé; não era com elas que Tiago se preocupava.
O versículo 24 é muito bom: “Uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente”. Você vê como Tiago é cuidadoso? Ele diz que uma pessoa é justificada por obras e não apenas pela fé. Paulo foi capaz de dizer que um homem é justificado pela fé e jamais pelas obras. Mas Tiago nunca disse que o homem é justificado somente pelas obras e jamais pela fé. Se ele dissesse isso, concluiríamos que os dois apóstolos têm divergências na doutrina. Tiago diz que o homem é justificado por obras. Contudo, em seguida acrescenta outra palavra: "e não por fé somente". Quando alguém tem as obras, isso prova que ele tem fé. Isso não significa que alguém deva ter somente as boas obras, mas a pessoa deve ter obras de fé.
O EXEMPLO DA JUSTIFICAÇÃO DE RAABE
Que Tiago quer dizer com isso? Quando os israelitas saíram do Egito e foram para o deserto, eles não puderam estabelecer-se em lugar algum, mas tiveram de vagar por quarenta anos. Que há de bom em tal nação? Pelo menos havia uma muralha ao redor da Jericó de Raabe. Tudo o que os israelitas tinham era areia debaixo dos pés. Ao menos havia casas em Jericó. Tudo o que os israelitas tinham eram tendas; até mesmo o Deus deles tinha de habitar em uma tenda. Que havia de tão especial com essa nação? Entretanto, quando os dois espias vieram e contaram-lhe como Deus havia cuidado deles, realizado milagres por eles, e havia prometido que Jericó e até mesmo toda a terra de Canaã seriam entregues a eles, as suas palavras fizeram com que Raabe crêsse. Ela pôs seu próprio futuro, sua vida, e mesmo toda sua família sob a custódia deles. Ela até mesmo estava disposta a fazer algo contra seu próprio país. Deus não diz que isso foi uma boa obra; Ele diz que essa obra foi a expressão da sua fé. Se os muros de Jericó tivessem sido feitos de palha ou penas de galinha poderíamos achar que os muros poderiam de fato cair. Mas as muralhas de Jericó eram tão altas como o céu. Seus portões eram fortificados com barras de bronze. Como poderia ser tomada facilmente? Como Raabe pôde ter-se confiado aos dois espias? Isso foi uma obra proveniente da fé, e Deus diz que o que justifica uma pessoa é esse tipo de obra. Não é uma questão de bem ou mal. Não se trata de ter ou não boas obras. A carne é absolutamente inútil diante de Deus. Ela não tem lugar. Toda obra em Adão, seja boa ou má, é rejeitada por Deus. Se um homem disser aos outros que somente as boas obras salvam, essa pessoa não sabe o que é a carne. Portanto, não é uma questão de obras. Boas obras não podem justificar. Tampouco as más obras podem.
Portanto, Tiago capítulo 2, fala sobre obras da fé. Nada além disso. Raabe estava ali arriscando sua vida. Se os homens enviados pelo rei de Jericó tivessem encontrado os espias em sua casa, ela imediatamente teria perdido a vida. Mas a sua esperança era ser salva por intermédio dos espias de Israel. Ela entregou a própria vida e futuro nas mãos deles. Portanto, a questão não é boas obras ou más obras, mas o ter fé ou não ter fé. É a fé que justifica. Apesar de Tiago dizer que Raabe foi justificada por obras, suas obras foram nada mais que uma manifestação da sua fé.
Finalmente, o versículo 26 diz: “Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta”. Nosso espírito habita dentro do nosso corpo. Portanto, podemos dizer que nosso espírito é o espírito do nosso corpo. Dizemos que os espíritos malignos são espíritos que deixaram seu corpo, pois eles não têm um corpo. Há um tipo de obra que requer fé e que deve estar unido à fé. Há um tipo de obra que provém da fé e que resulta da fé. Se a fé for sem obras, ela é morta, da mesma forma que um corpo sem espírito é morto. Portanto, somos salvos por meio da fé, somos justificados por meio da fé e também recebemos vida por meio da fé. Embora haja muitas diferentes maneiras de expressar a fé, a fonte ainda é a fé. Alguns expressam-na abandonando sua profissão. Outros expressam-na por não seguir os passos de seus pais. Ainda outros expressam-na por não acompanhar o marido em certas coisas ou por abandonar sua posição. Existem todos os tipos de expressões da fé. A questão não é de boas ou más obras, mas de fé. O que Tiago está dizendo é que quando a oportunidade surge, nossa fé deve ser expressa.
Portanto, não podemos dizer que a salvação é proveniente de obras. Hebreus 6:1 menciona os princípios elementares da doutrina de Cristo. O fundamento da doutrina de Cristo é o arrependimento de obras mortas. Que é o arrependimento de obras mortas? É o arrependimento do que fizemos quando estávamos mortos. Na Bíblia, existem duas coisas das quais devemos nos arrepender. Uma é o pecado; a outra são as obras mortas. Tudo o que é moralmente errado é pecado e transgressão. Se um homem crê no Senhor, ele deve realmente se arrepender e lidar com esses pecados. Além do mais, devemos também odiar e nos arrepender do que fizemos como pessoas mortas. Que são essas obras mortas? São todas as boas obras que fomos capazes de fazer por nós mesmos antes de sermos salvos, antes de nos tornarmos filhos de Deus, antes de recebermos a nova vida e antes de nos tornarmos uma nova raça. As pessoas vêem seus pecados e transgressões pelo que elas são. Mas não vêem as coisas que consideram morais e nobres como algo de que se devam arrepender. Deus diz que são obras mortas. Elas foram realizadas quando estávamos mortos. Devemos arrepender-nos de todas essas obras, não dependendo delas para a salvação.
Ao sermos salvos, existem dois grandes arrependimentos. Um é o arrependimento por todas as coisas que não deveriam ter sido feitas. Todavia, quando a pessoa entende o evangelho e vê a obra completa da cruz do Filho de Deus, ela se arrepende por outras coisas também, que são todas as boas obras que realizou anteriormente. Antes dávamos o melhor de nós para fazer o bem, como se Deus fosse salvar-nos somente se ficasse bastante impressionado pelas nossas boas obras. Hoje, entretanto, tornamo-nos cristãos. Devemos arrepender-nos não somente dos nossos pecados, como também das nossas obras mortas. Por conseguinte, as obras mortas não podem ajudar-nos a ser salvos. Você pode dizer que alguém deveria crer no Senhor Jesus, mas também deveria ter boas obras. Mas Deus vê você como um trapo rasgado. A justiça que Deus nos concede excede em muito à justiça da lei. Portanto, se queremos achegar-nos a Deus, não somente não devemos trazer nossos pecados conosco, como também não devemos trazer as nossas obras. Se desejamos falar sobre obras, então, antes que possam ser aceitáveis, nossas obras devem ser tão perfeitas como são as de Cristo perante Deus.
Meu amigo, você deve ver que a salvação não vem de você mesmo. Deve perceber de coração que tudo é proveniente do Senhor Jesus. A fé não é uma virtude. Fé é simplesmente receber. Um dos nossos hinos diz: “Trabalhar não me salvará”, e, “Prantear não me salvará”. A última estrofe diz: “A fé em Cristo me salvará”. Quando vi pela primeira vez essa linha, imediatamente risquei e substituí por “Somente Jesus me salvará”. A fé não é uma virtude. Fé é apenas permitir que o Senhor nos salve. É como uma pessoa que cai no mar. Quando alguém chega para salvá-la atirando-lhe uma rede, ela não tem de fazer nada. Desde que não pule para fora da rede, estará bem. Tudo foi feito pelo Senhor Jesus. Aleluia! Digo novamente, nunca entenda mal Tiago 2. Obra em Tiago 2 não é uma questão de ser bom ou mau, mas de ter fé ou não.
Jesus é o Senhor!