Estudo de Filemom | O cuidado amoroso do apóstolo Paulo e do irmão Filemom para com todos irmãos em Cristo



Leitura Bíblica: Filemom 1:1-25

UM ESCRAVO NASCIDO DE NOVO TORNOU-SE UM IRMÃO

O TEMA DO LIVRO

O livro de Filemom mostra que todos os crentes têm condição de igualdade no novo homem. No novo homem todos os cristãos, quer sejam senhores como Filemom, quer sejam escravos como Onésimo, têm a mesma posição.

INTRODUÇÃO

Filemom começa com as palavras: “Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e o irmão Timóteo, ao amado Filemom, também nosso colaborador”. No versículo 2 Paulo se refere à irmã Áfia, a Arquipo e à igreja na casa de Filemom. De acordo com a natureza familiar dessa Epístola, Áfia deve ser a esposa de Filemom, e Arquipo, seu filho. Filemom viveu em Colossos (Fm 1:2; Cl 1:2; 4:9, 17). Segundo a história, ele era presbítero da igreja em Colossos. Talvez a igreja se reunisse na sua casa. Portanto, ela era a Igreja na sua casa.

A introdução dessa Epístola conclui com as palavras de Paulo no versículo 3: “Graça e paz a vós outros, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.” (Fm 1:3).

UM ESCRAVO NASCIDO DE NOVO TORNOU-SE UM IRMÃO

Nos versículos 4 e 5 Paulo prossegue: “Dou graças ao meu Deus, lembrando-me, sempre, de ti nas minhas orações, estando ciente do teu amor e da fé que tens para com o Senhor Jesus e do teu amor por todos os santos.” Repare que no versículo 5 Paulo fala primeiro do amor, e depois da fé. Na fase inicial a fé veio primeiro, e então o amor foi produzido pela fé (Gl 5:6; Ef 1:15; Cl 1:4). Mas aqui o amor é mencionado primeiro, e então a fé, pois o que é tratado nessa Epístola a respeito da posição de igualdade dos cristãos é questão de amor, que provém da fé. No novo homem os membros amam-se na fé (Tt 3:15). A relação é de amor por meio da fé. O apóstolo aprecia a comunhão da fé de Filemom (Fm 1:6) e é encorajado pelo amor dele (Fm 1:7); desse modo ele lhe roga que receba Onésimo por causa desse amor (Fm 1:9). Essas duas virtudes são mencionadas de maneira interligada. Filemom tem ambas, não só para com o Senhor, mas também para com todos os santos.

No versículo 6 Paulo continua: “Para que a comunhão da tua fé se tome eficiente no pleno conhecimento de todo bem que há em nós, para com Cristo.” Esse versículo é na verdade a continuação do versículo 4. Pleno conhecimento aqui quer dizer pleno reconhecimento, apreciação completa e reconhecimento pela experiência. Por “todo bem” Paulo não quer dizer coisas naturais (ver Rm 7:18), mas coisas espirituais e divinamente boas, como a vida eterna, a natureza divina e os dons espirituais, que estão em nós, os crentes regenerados, e não nos homens naturais.

Todas as coisas espirituais e divinamente boas em nós são para com Cristo. O apóstolo ora para que a comunhão da fé de Filemom, para com todos os santos, opere neles no elemento e esfera do pleno conhecimento, a plena percepção, de todas as coisas boas em nós para Cristo, fazendo com que reconheçam e apreciem todas as coisas espirituais e divinamente boas que estão nos crentes para com Cristo.

No versículo 7 Paulo diz: “Pois, irmão, tive grande alegria e conforto no teu amor, porquanto o coração dos santos tem sido reanimado por teu intermédio.” A palavra “pois” introduz a razão pela qual o apóstolo ora para que a fé de Filemom opere, torne-se eficiente nos santos (v. 6). A razão é que o amor de Filemom confortou o coração dos santos e, assim, deu ao apóstolo Paulo muita alegria e encorajamento. A palavra grega traduzida por reanimar também significa tranqüilizar, confortar.

Os versículos 8 e 9 continuam: “Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em Cristo para te ordenar o que convém, prefiro, todavia, solicitar em nome do amor, sendo o que sou, Paulo, o velho e, agora, até prisioneiro de Cristo Jesus.” A palavra grega para velho aqui pode também ser traduzida como embaixador (Ef 6:20). As palavras prisioneiro aqui e no versículo 23, e algemas no versículo 13 indicam que essa Epístola foi escrita na prisão, na primeira vez em que o apóstolo Paulo esteve encarcerado em Roma.

Nos versículos 10 e 11 Paulo diz: “Sim, solicito-te em favor de meu filho Onésimo, que gerei entre algemas. Ele, antes, te foi inútil; atualmente, porém, é útil, a ti e a mim.” Em seu encarceramento, Paulo gerou Onésimo pelo Espírito com a vida eterna de Deus (Jo 3:3; 1:13). Em grego o nome Onésimo significa útil, proveitoso; era um nome comum para escravos. Ele era um escravo comprado por Filemom, que, segundo a lei romana, não tinha direitos humanos. Ele fugiu de seu senhor, cometendo um crime que poderia levar à pena de morte. Enquanto estava na prisão em Roma com o apóstolo Paulo, ele foi salvo por meio dele. Agora o apóstolo Paulo o envia de volta com essa Epístola para seu senhor.

A palavra inútil no versículo 11 também significa imprestável. Refere-se a Onésimo fugindo de Filemom. A palavra útil também significa proveitoso. Onésimo tornou-se proveitoso porque se havia se convertido e estava disposto a retornar a Filemom.

O versículo 12 continua: “Eu to envio de volta em pessoa, quero dizer, o meu próprio coração.” Literalmente, a palavra grega para coração significa entranhas, assim como nos versículos de Filemon 1:7, 20; Filipenses 1:8; 2:1; Colossenses 3:12. Significa afeto interior, ternura, compaixões. O afeto interior e as compaixões de Paulo foram com Onésimo até Filemom.

Os versículos 13 e 14 dizem: “Eu queria conservá-lo comigo mesmo para, em teu lugar, me servir nas algemas que carrego por causa do evangelho; nada, porém, quis fazer sem o teu consentimento, para que a tua bondade não venha a ser como que por obrigação, mas de livre vontade.” Assim como o Senhor não faria coisa alguma sem o nosso consentimento, Paulo não manteria Onésimo com ele sem o consentimento de Filemom.

Nos versículos 15 e 16 Paulo diz: “Pois acredito que ele veio a ser afastado de ti temporariamente, a fim de que o recebas para sempre, não como escravo; antes, muito acima de escravo, como irmão caríssimo, especialmente de mim e, com maior razão, de ti, quer na carne, quer no Senhor.” A palavra “pois” no versículo 15 introduz a razão do envio no versículo 12. “Pois acredito que” no original grego é “pois talvez”. Isso não só expressa humildade, mas também indica ausência de preconceito.

Essa curta Epístola nos mostra a igualdade de todos os membros do Corpo de Cristo na vida eterna e no amor divino. Na época de Paulo a vida de Cristo tinha anulado, entre os cristãos, a forte instituição da escravidão. Já que o sentimento do amor da comunhão cristã era tão poderoso e prevalecente, de modo que a ordem social maligna entre a humanidade caída era espontaneamente ignorada, não havia necessidade de emancipação oficial. Por causa do nascimento divino e do viver pela vida divina, todos os crentes em Cristo estavam no mesmo nível na igreja, que era o novo homem em Cristo, sem discriminação entre livre e escravo (Cl 3:10-11). 

Isso se baseia em três fatos. Primeiro, a morte de Cristo na cruz aboliu as ordenanças dos vários modos de vida para a criação do novo homem (Ef 2:15). Segundo, todos fomos batizados em Cristo e nos tornamos um Nele sem diferença (Gl 3:27-28). Terceiro, no novo homem Cristo é tudo e em todos (Cl 3:11). Tal vida com tal amor em comunhão mútua tem o poder de manter boa ordem na igreja (em Tito), cumprir a economia divina acerca da igreja (em 1 Timóteo), e resistir contra a maré do declínio da igreja (em 2 Timóteo). É providência do Senhor que essa Epístola venha depois desses três livros na ordem do Novo Testamento.

De acordo com o que Paulo diz no versículo 16, Onésimo era acima de um escravo, ou mais que um escravo. Ele era até mesmo mais que um homem livre; era um irmão amado.

Há vários termos íntimos nessa Epístola: amado irmão, a irmã (Fm 1:2), o amado e nosso colaborador (v. 1), nosso companheiro de lutas (v. 2), meus cooperadores (v. 24), prisioneiro comigo (v. 23) e companheiro (v. 17). Esses termos indicam o sentimento íntimo do apóstolo a respeito de sua relação com os membros e companheiros no novo homem.

A expressão “quer na carne, quer no Senhor” significa na carne como um escravo e no Senhor como um irmão. Na carne, o irmão era um escravo, mas, no Senhor, o escravo era um irmão.

O título desta mensagem é “Um Escravo Nascido de Novo Tornou-se um Irmão”. Somente pela pregação do evangelho um escravo como Onésimo poderia: nascer de novo e tornar-se um irmão. Paulo não pregou o evangelho a Onésimo de maneira comum ou superficial. Pregou-lhe o evangelho enquanto era prisioneiro em Roma. Isso indica que independentemente da situação em que Paulo se encontrava, ele estava sempre exercitado e pronto para pregar o evangelho. Ele diz: “Quero ainda, irmãos, cientificar-vos de que as coisas que me aconteceram têm, antes, contribuído para o progresso do evangelho; de maneira que as minhas cadeias, em Cristo, se tornaram conhecidas de toda a guarda pretoriana e de todos os demais.” (Fp 1:12-13). A guarda real de Nero ouviu Paulo pregar o evangelho e até o viu fazê-lo. Filipenses 4:22 indica que certos membros da casa de César foram salvos: “Todos os santos vos saúdam, especialmente os da casa de César”. Agora sabemos, pela Epístola a Filemom, que o escravo Onésimo foi salvo por meio de Paulo.

Paulo não pregou o evangelho a Onésimo da maneira praticada pela maioria dos cristãos hoje. Ele considerava a pregação do evangelho um ato de gerar. Por essa razão, Paulo refere-se a Onésimo como filho gerado em algemas. A pregação de Paulo envolvia um processo de gerar e dar à luz. Isso indica que ao pregar o evangelho, ele ministrava a vida divina às pessoas. A vida eterna de Deus dispensada a Onésimo o fez nascer filho espiritual e irmão de Paulo em Cristo. Hoje, quando pregamos o evangelho, também devemos pregar gerando, dispensando Cristo como a vida divina às pessoas a quem pregamos.

Além disso, após gerar esse filho, Paulo não descuidou dele nem o deixou órfão ao cuidado de outros. Esse filho era muito precioso, por isso Paulo o preservou e amou. Ele até mesmo referiu-se a ele como “o meu próprio coração”. Uma mãe sempre se sente assim para com o filho. Se o filho fosse retirado dela, seria como se o coração dela fosse arrancado. Você tem esse tipo de sentimento para com alguém que você trouxe para o Senhor? Provavelmente não temos muito desse sentimento. Porém Paulo considerava Onésimo não só seu filho mas também seu coração. Quando enviou seu filho a Filemom, isso significava que ele também lhe enviava seu coração. Que cuidado amoroso vemos aqui!

Alguns pais não consideram os filhos na carne como o próprio coração. No seu íntimo eles podem dizer: “Deus me deu esse filho, e é meu dever cuidar dele. Não tenho escolha”. Com freqüência, os cristãos que trazem outros para o Senhor têm atitude semelhante. Em contraste com Paulo, eles não têm profunda preocupação paterna ou materna pelos que foram salvos por meio deles.

Embora tivesse tal cuidado amoroso pelo filho, Paulo percebeu que não era a pessoa certa para mantê-lo. Uma vez que Onésimo era escravo foragido de seu senhor, ele tinha de retornar. É possível que Onésimo tenha roubado algo de Filemom. O versículo 18 pode indicar isso: “E, se algum dano te fez ou se te deve alguma coisa, lança tudo em minha conta.” Talvez Onésimo não tenha somente furtado coisas de pouco valor de Filemom; ele pode ter roubado algo precioso.

Vemos que a preocupação de Paulo era que a relação humana entre Onésimo e Filemom fosse regularizada. Depois de conduzir um pecador ao Senhor, devemos primeiro considerá-lo nosso filho espiritual e depois ajudá-lo a regularizar os relacionamentos. Por exemplo, se alguém maltratou os pais, devemos ajudá-lo a reconciliar-se com eles. Se a mulher está com problemas com o marido, ou vice-versa, devemos ajudá-los a restabelecer a relação adequada com o cônjuge. Esse é um princípio importante.

Ao enviar de volta esse escravo foragido para seu senhor, Paulo, um escritor excelente, recorreu ao amor de Filemom. Nos versículos 5 e 6 Paulo diz: “Estando ciente do teu amor e da fé que tens para com o Senhor Jesus e todos os santos, para que a comunhão da tua fé se torne eficiente no pleno conhecimento de todo bem que há em nós, para com Cristo.” Uma vez que nessa Epístola Paulo recorre ao amor de Filemom, ele coloca o amor antes da fé no versículo 5.

O versículo 6 é difícil de entender. Aqui Paulo parece dizer: “Quando os irmãos em outras cidades souberem o que você fez em amor por meio da fé e tiverem comunhão sobre sua fé, sua fé agirá neles. Ela se tornará eficiente neles no pleno conhecimento de todas as boas coisas que há em nós para com Cristo, pois todos os cristãos têm as mesmas boas coisas neles.” Essas boas coisas incluem a vida divina (a vida de Deus), a natureza divina e os dons divinos. Um registro completo dessas coisas se encontra nos livros de 1 e 2 Timóteo e Tito. Todas essas boas coisas em nós são para Cristo. A comunhão da fé de Filemom pode ser comparada a um sopro, com o qual reavivamos para Cristo a chama de todas as boas coisas em nós (2Tm 1:6). Quando os santos ouvissem o que Filemom fez em amor, o bom depósito neles seria reavivado. Essa é a operação da fé de um irmão por meio da comunhão entre os santos.

No livro de Filemom temos um padrão e um exemplo excelente de conduzir um pecador ao Senhor, gerando-o com a vida divina; considerando-o um filho, até mesmo nosso coração; e ajudando-o a regularizar todas as relações humanas. Nas igrejas na restauração do Senhor é nossa prática enviar de volta o foragido, e a mulher ou marido divorciado ou separado. Desejamos ajudar a regularizar todas as relações humanas. Ao fazer isso, devemos ter uma preocupação amorosa e apelar para o amor da outra parte. Finalmente, seguindo o exemplo de Paulo nessa Epístola, devemos ajudar o recém-salvo a entrar na vida da igreja. O desejo de Paulo era introduzir Onésimo na vida da igreja. Tendo sido gerado por Paulo, Onésimo era agora um escravo nascido novamente que se tornara um irmão. Sendo a pessoa que o havia gerado, Paulo assumiu a responsabilidade de introduzir Onésimo na vida da igreja, para a comunhão entre os membros do Corpo.

UM IRMÃO RECOMENDADO PARA SER ACEITO PELO NOVO HOMEM

O assunto do livro de Filemom é uma ilustração da condição de igualdade dos cristãos no novo homem. Aparentemente essa Epístola não diz nada sobre a condição dos crentes. Na verdade, ela toca o âmago dessa questão. Quando Paulo escreveu a Filemom, Filemom estava em Colossos e Paulo estava muito longe, numa prisão em Roma. Um dos seus companheiros de prisão, Onésimo, foi conduzido ao Senhor, e gerado por Paulo no Espírito para tornar-se não só crente em Cristo e filho de Deus, mas também um amado filho do próprio Paulo. Como havia uma igreja em Roma, por que Paulo não o recomendou à igreja local? Paulo não fez isso porque Onésimo era um escravo foragido, e seu senhor, Filemom, vivia em Colossos.

O fato de haver igrejas em Roma e em Colossos indica que as Igrejas como a expressão do Corpo de Cristo são universais. Isso era verdade na antiguidade da mesma maneira que é verdade hoje. A primeira igreja, a igreja em Jerusalém, veio à existência aproximadamente em 34 ou 35 cf. e. A Epístola a Filemom foi escrita mais ou menos trinta anos mais tarde. Mesmo nesse período comparativamente curto, diversas igrejas foram estabelecidas, não só na Judéia, mas também no mundo gentio. Portanto, a igreja era universal. Isso aconteceu segundo a providência do Senhor para cumprir a comissão dada a Paulo. Também era a realização do desejo de Paulo de ver um novo homem na terra.

Por meio da expansão do império romano, as nações e povos do Mar Mediterrâneo foram postas em contato entre si, e até unificadas politicamente. Havia grande movimentação e comunicação entre as pessoas nas várias partes do império. Essa comunicação estava completamente relacionada com o velho homem. Mas na época em que Paulo escreveu a Filemom havia outro homem na terra. Em meio ao velho homem, o novo homem veio a existir. Isso é plenamente revelado em Colossenses 3 versículos 10-11: “E vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; no qual não pode haver grego riem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos”. Filemom era presbítero da igreja em Colossos. Na Epístola aos Colossenses Paulo enfatizou que todos os cristãos são parte do novo homem. Além disso, no novo homem não pode haver grego e judeu, escravo e livre. Filemom era livre, e Onésimo era seu escravo. Mas no novo homem eles tinham a mesma condição.

Em Colossenses 4 temos um registro da comunhão do novo homem. Colossenses 4:9 fala de Onésimo, e o versículo 17 fala de Arquipo, filho de Filemom. Um homem livre e um escravo da mesma casa também faziam parte da igreja como o novo homem.

A Epístola a Filemom deve ser considerada continuação de Colossenses 4; é uma ilustração de como, no novo homem, todas as classes sociais são postas de lado. Na mensagem anterior assinalamos que essa curta Epístola nos mostra a igualdade na vida eterna e no amor divino de todos os membros no Corpo de Cristo. A distinção de classe e nível sociais entre os cristãos é anulada não por um ato legal externo, mas por uma mudança interior de constituição. As classes foram abolidas porque a vida de Cristo foi constituída nos crentes. A vida de Cristo foi constituída em Filemom e a mesma vida com o mesmo elemento divino foi constituída em seu escravo, Onésimo. Segundo a carne, Filemom era senhor e era livre, e Onésimo era escravo e não era livre. Mas segundo a constituição interna, ambos eram o mesmo. Por causa do nascimento divino e do viver pela vida divina, todos os que crêem em Cristo têm condição de igualdade na igreja, que é o novo homem em Cristo, sem discriminação entre livres e escravos.

Em Tito 2:9-15 Paulo exorta os escravos a se portar bem no sistema social de escravidão. Ele os instruiu a ter uma vida humana conforme Jesus em meio a tal sistema social. Mas na Epístola a Filemom ele dá às igrejas uma ilustração de como escravos e senhores foram reconstituídos com a vida de Cristo. Como resultado, todos fazem parte do novo homem. No antigo sistema social, que pertence ao viver do velho homem, há distinção entre senhor e escravo. Paulo não tocou nesse sistema social tentando reformá-lo. Antes, por um lado ele instruiu os escravos a ter uma vida humana conforme Jesus nesse sistema social; por outro, deu um exemplo de como escravos e senhores são irmãos no Senhor e, como membros do novo homem, compartilham a mesma condição.

Filemon 1:16 deixa essa relação muito clara. A respeito de Onésimo Paulo diz: “Não como escravo; antes, muito acima de escravo, como irmão caríssimo, especialmente de mim e, com maior razão, de ti, quer na carne, quer no Senhor”. Pela regeneração Onésimo se tornara mais que um escravo e até mesmo mais que um homem livre, pois se tornara um irmão amado. Agora Onésimo tinha uma relação com Filemom “quer na carne, quer no Senhor”: na carne como escravo, e no Senhor como irmão. Na carne Onésimo era um irmão que era escravo, e no Senhor era um escravo que era irmão. Filemom, portanto, tinha de receber Onésimo e abraçá-lo amorosa e intimamente. É claro, ele deveria recebê-lo não no velho homem, no velho sistema social, mas em Cristo e no novo homem. Embora Onésimo ainda fosse escravo de Filemom, em Cristo ele se tornara irmão de Filemom. Agora, no novo homem, Filemom deveria recebê-lo como irmão e em condição de igualdade. Paulo aqui recomenda um irmão para ser aceito no novo homem.

Em Filemom não há menção da expressão “o novo homem”. Mas quando examinamos a situação retratada nesse livro, vemos que Paulo recomendava um irmão não à igreja na cidade onde ele estava, mas à igreja numa cidade distante. Isso indica que a recomendação de Paulo ocorreu na esfera do novo homem. Como já ressaltamos, isso pode ser provado por Colossenses 3:11, onde lemos que no novo homem não há escravo ou livre. Enquanto escrevia a Filemom, Paulo pode ter pensado algo assim: “Onésimo tornou-se um amado irmão no Senhor. Agora quero recomendar um escravo a um irmão que é livre. Desejo ajudá-los a perceber que, como irmãos, eles são iguais. Um deve ser recebido, e o outro deve estar disposto a recebê-lo”. É isso que quero dizer quando afirmo que a Epístola a Filemom ilustra a condição de igualdade dos crentes no novo homem.

Se enxergarmos que os cristãos têm condição de igualdade no novo homem, não haverá problemas entre nós a respeito de classe social, nacionalidade ou raça. Não teremos problemas com os diversos povos. Os que de alguma forma discriminam as pessoas não praticam a vida da igreja adequada. Se quisermos ter a vida da igreja autêntica devemos receber todos os santos, independentemente de raça, nacionalidade ou classe social. É fato que em muitos lugares os crentes não estão dispostos a fazer isso. Como resultado, não podem ter a vida da igreja adequada.

Nunca devemos falar de uma igreja segundo raça ou cor; não existe igreja branca, amarela, negra ou marrom. A igreja tem só uma cor: azul celeste. Depois de ter vindo para a vida da igreja, você não deve ter, no íntimo do seu ser, nenhuma discriminação entre crentes baseada em raça ou cor. Se houver tal discriminação, você anulará a vida da igreja, pelo menos no que lhe diz respeito. As cores que representam as raças já foram anuladas pela cruz. Agora devemos estar dispostos a pagar o preço para anulá-las na vida da igreja real e autêntica.

Na sociedade ainda há distinções de cor, nacionalidade ou condição social. Mas nenhuma dessas distinções pode existir na igreja, no novo homem. O velho homem é dividido por essas distinções. Mas no novo homem as distinções baseadas em cor foram anuladas. Paulo ensinava isso enfaticamente, e devemos considerar esse ponto como parte do pleno conhecimento da verdade.

Diversas vezes ressaltamos que em 1ª e 2ª Timóteo e Tito o conhecimento pleno da verdade diz respeito ao conteúdo da economia neotestamentária de Deus sobre Cristo e a igreja. Se ainda fizermos distinções de cor, raça ou nacionalidade, nessa questão seremos condenados no que diz respeito à verdade. Não nos apegaremos ao pleno conhecimento da verdade.

Sendo judeu, não era fácil para Paulo dizer que no novo homem não pode haver judeus. Mas por esse fato ser parte do pleno conhecimento da verdade, ele o declarou com franqueza e o ensinou com clareza. Segundo o pleno conhecimento da verdade, há no universo um só novo homem, um só Corpo de Cristo e uma só igreja de Deus. Além disso, deveria haver uma só igreja numa cidade. Todos precisamos perceber esse aspecto da verdade.

De acordo com a soberania do Senhor, a Epístola a Filemom foi escrita antes de Timóteo e Tito. Mas na disposição dos livros no Novo Testamento, Filemom foi colocado depois delas. Esses livros revelam a prática da economia neotestamentária de Deus, e Filemom nos mostra um aspecto específico dessa prática.

Na prática da economia de Deus, é crucial que todas as classes sociais e as diferenças entre as raças e nações desapareçam. Se deixarmos que essas classes e distinções existam na vida da igreja, o novo homem será anulado e a vida adequada da igreja, destruída. Como é maravilhoso haver no Novo Testamento um curto livro que fale de um escravo conduzido ao Senhor e introduzido na vida da igreja! Se essa Epístola nos dissesse que César Nero foi salvo, eu não a apreciaria tanto. Mas ela nos diz que um escravo, alguém sem direitos legais e considerado como pouco mais que um animal pelo sistema social romano, foi salvo. Alguns podem achar que não valia a pena Paulo escrever sobre ele. Outros podem dizer que um escravo ser salvo e ter a segurança de ir para o céu já é suficiente. Paulo, porém, usou muita sabedoria ao escrever essa epístola. Nunca houve outra carta escrita desse modo.

Por que Paulo tinha tal preocupação amorosa com um escravo que fora salvo? Ele fez isso porque tinha o encargo de mostrar que, entre todos os santos e todas as igrejas locais, os cristãos são iguais no novo homem. Onésimo e Filemom são boa ilustração dessa igualdade. Por certo, foi providência divina que Onésimo foi salvo na prisão por meio de Paulo. Foi a salvação de Onésimo que proporcionou a Paulo a oportunidade de dar tal ilustração maravilhosa a respeito da vida do novo homem. Ele podia mostrar que um escravo, então em Roma, e seu senhor, distante em Colossos, eram iguais como irmãos no novo homem.

Paulo sabia que, por causa de sua consciência, ele tinha de cuidar de Onésimo de maneira adequada. Ele conhecia Filemom e sua família muito bem. Talvez tenha dito consigo mesmo: “Agora o escravo de Filemom foi salvo por meu intermédio. Que farei com ele? Devo enviá-lo de volta para seu senhor? E que lhe direi sobre Onésimo?” Na verdade, essa era uma questão muito importante, preparada pelo Senhor em sua providência. Nenhuma outra ilustração poderia retratar melhor a eliminação da diferença de status no novo homem. O caso de Onésimo e Filemom é a melhor ilustração de como os crentes têm condição de igualdade no novo homem. Oh! é crucial que vejamos isso! Louvado seja o Senhor pela salvação de Onésimo, e louvado seja o Senhor por essa ilustração da nossa condição de igualdade no novo homem!

A RECOMENDAÇÃO DO APÓSTOLO

No versículo 17 Paulo diz a Filemom sobre Onésimo: “Se, portanto, me consideras companheiro, recebe-o, como se fosse a mim mesmo.” (Fm 1:17). O uso da palavra companheiro aqui indica a profunda relação de comunhão no Senhor. Paulo rogou a Filemom que recebesse Onésimo como se fosse o próprio Paulo. Uma igreja local com seus presbíteros é uma companheira do Senhor, e o Senhor lhes confia os recém-salvos assim como o bom samaritano confiou a pessoa que resgatara ao dono da hospedaria (Lc 10:33-35).

A PROMESSA DO APÓSTOLO

Nos versículos 18 e 19 Paulo continua: “E, se algum dano te fez ou se te deve alguma coisa, lança tudo em minha conta. Eu, Paulo, de próprio punho, o escrevo: Eu pagarei — para não te alegar que também tu me deves até a ti mesmo.” (Fm 1:18-19). A frase “se algum dano te fez ou se te deve alguma coisa” indica que Onésimo pode ter lesado seu senhor. A esse respeito Paulo diz: “Lança tudo em minha conta”. Ao cuidar de Onésimo, Paulo fez exatamente o que o Senhor faz por nós. No versículo 19, Paulo diz: “eu pagarei”, assim como o Senhor paga tudo pela pessoa que Ele redime.
No versículo 19 Paulo também relembra Filemom: “Também tu me deves até a ti mesmo”. Isso indica que Filemom fora salvo por intermédio do próprio Paulo.

O PEDIDO E A CONFIANÇA DO APÓSTOLO

No versículo 20 Paulo prossegue: “Sim, irmão, que eu receba de ti, no Senhor, este benefício. Reanima-me o coração em Cristo.” (Fm 1:20). A palavra grega usada aqui para receber benefício, onaímen, é uma alusão ao nome Onésimo. É um jogo de palavras, indicando que, já que Filemom devia até a si mesmo a Paulo, ele era um Onésimo para Paulo. Portanto, Filemom deveria ser proveitoso para Paulo no Senhor.

Nesse versículo Paulo também pede a Filemom que reanime seu coração em Cristo. A palavra para reanimar também significa tranqüilizar, confortar. Literalmente, a palavra grega traduzida por coração significa entranhas, como no versículo 7. Já que Filemom confortara o coração dos santos, seu companheiro lhe pede agora que faça o mesmo por ele no Senhor.

Nos versículos 21 e 22 Paulo diz: “Certo, como estou, da tua obediência, eu te escrevo, sabendo que farás mais do que estou pedindo. E, ao mesmo tempo, prepara-me também pousada, pois espero que, por vossas orações, vos serei restituído.” (Fm 1:21-22). A expectativa de Paulo, de que ele seria libertado da prisão e visitaria novamente as igrejas, também é expressa em Filipenses 1:25; 2:24. [No original grego, o verbo restituir em Filemon 1:22 tem o mesmo radical de graça.] Paulo considerava sua visita uma dispensação de graça para a igreja.

CONCLUSÃO

Nos versículos 23 a 25 temos a conclusão dessa Epístola: “Saúdam-te Epafras, prisioneiro comigo, em Cristo Jesus, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus cooperadores. A graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito.” (Fm 1:23-25). O apóstolo sempre saudava os destinatários de suas Epístolas, tanto no início como na conclusão, com a graça do Senhor. Isso mostra que ele confiava que a graça do Senhor cumpriria neles, e também nele próprio (1Co 15:10), o que ele lhes escreveu. Nenhum esforço humano consegue cumprir tal elevada revelação como a revelação completadora do apóstolo Paulo.

Jesus é o Senhor!
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