30 - UM CAMINHO QUE DEUS DESIGNOU - Watchman Nee
DOIS CAMINHOS MUITO DIFERENTES
Devemos reconhecer dois caminhos muito diferentes que existem diante de nós para receber-mos a ajuda. Primeiramente, "há um caminho que parece justo", em que a ajuda é recebida de fora — através da mente — pela doutrina e pela sua exposição. Muitos até mesmo declararão que foram grandemente ajudados por esta maneira. Mesmo assim, é uma "ajuda" muito diferente da ajuda que Deus realmente pretende dar.
Em segundo lugar, devemos ver que o caminho de Deus é o caminho do Espírito que toca em nosso espírito. Ao invés de ter nossa mentalidade desenvolvida ou de adquirir um armazém de conhecimento, é por este outro meio de contato que nossa vida espiritual é edificada. Que ninguém se engane; até que tenhamos achado este caminho, não descobrimos o verdadeiro. Somente este é o caminho para a edificação e inspiração do nosso espírito.
Expliquemos o caso como segue: Se você estiver acostumado a ouvir sermões, sem dúvida você ficaria aborrecido se ouvisse a mesma mensagem do mesmo pregador duas vezes. Você sente certeza que basta ouvir aquela mensagem uma só vez. É assim porque seu conceito da pregação do evangelho é simplesmente doutrina — armazenar conhecimentos na sua mente. Você não percebe que a edificação não é uma questão de doutrina mas, sim, do espírito? Se seu irmão fala através do espírito, você será lavado e purificado cada vez que o espírito dele toca em você, independentemente de quão familiar é o assunto ou de quantas vezes você já ouviu aquele tema específico. Qualquer ensinamento ou doutrina que não resulta na revificação do espírito pode somente ser considerado preceito ineficaz.
Além disto, há algo bem notável em quem foi quebrantado. Se você for alguém que realmente é quebrantado, você descobrirá que não somente poderá prestar socorro, como também, ao assim fazer, você também é ajudado. Alguém lhe faz uma pergunta, e ao respondê-la, você é ajudado. Você está orando com um pecador que está buscando ao Senhor, e mais uma vez, você está fortalecido no íntimo. Você pode ser guiado a falar severamente com um irmão que deslizou; não somente o espírito dele é revificado, mas você também é edificado. Você pode receber ajuda de todo contato espiritual. Você fica maravilhado porque o Corpo inteiro de Cristo está suprindo você como membro. Qualquer membro do Corpo de Cristo pode suprir sua necessidade, e você é ajudado. Você se torna um recipiente para o suprimento de todo o Corpo de Cristo. Que maravilha! Verdadeiramente você pode regozijar-se: "A riqueza do Cabeça é do Corpo, e a do Corpo é minha. A Igreja é o Corpo de Cristo, e eu sou um membro do Corpo de Cristo. Portanto, a riqueza de Cristo é da Igreja, e a da Igreja é minha." Quão grandemente isto difere do mero aumento do conhecimento mental!
Esta capacidade de receber ajuda — deixando que o espírito de outra pessoa toque em nosso espírito — é prova que a pessoa é quebrantada. A nossa habilidade não nos impede de receber ajuda; mas é evidência que a nossa casca exterior (nossa alma) é uma mais dura do que outras. Na misericórdia do Senhor, uma pessoa habilidosa deve ser tratada drasticamente, quebrantada muitas vezes, e de muitas maneiras até que, um dia, possa receber o suprimento da igreja inteira. Perguntemos a nós mesmos: "Podemos receber este suprimento de outras pessoas?" Se não pudermos receber, é provável que nossa casca dura (nossa alma dura) impeça o encontro com o espírito do nosso irmão que é liberado. Se, porém, formos quebrantados, somos ajudados tão logo que o espírito dele se movimente. A pergunta, portanto, não é quão poderosos são os espíritos, mas sim: como os espírito se tocam um ao outro? É este contato entre os espíritos que revifica e edifica a pessoa. Quão grande é a necessidade, pois, para a nossa alma ser quebrantada! Não pode haver dúvida de que isto se constitui em exigência básica para sermos ajudados e para ajudarmos os outros.
A COMUNHÃO NO ESPÍRITO
Embora haja muitos tipos diferentes de comunhão, há a comunhão espiritual que é muito mais do que o intercâmbio de ideias e opiniões. É a interação de espíritos. Este tipo de comunhão é possível somente depois de nossa alma ter sido despedaçada, sendo nosso espírito liberado desta maneira, para tocar no espírito de outras pessoas. Neste compartilhar do espírito, experimentamos a comunhão dos santos e compreendemos o que as Escrituras querem dizer com a "comunhão de espírito". É verdadeiramente uma comunhão de espírito, e não um intercâmbio de ideias. Mediante essa comunhão no espírito podemos orar de comum acordo. Porque muitos oram através da sua mente, independentemente do seu espírito, é difícil para eles achar outra pessoa com a mesma mente que pode orar em harmonia com eles.
Qualquer pessoa que nasceu de novo e que tem o Espírito Santo habitando nela, pode ter comunhão conosco. Isto é possível porque nosso espírito está aberto para a comunhão, pronto para receber o espírito do nosso irmão, e para ser recebido por ele. E, desta maneira, podemos tocar o Corpo de Cristo, pois nós somos o Corpo de Cristo. Podemos compreender quando dizemos que nossos espíritos são o Corpo de Cristo? O seu ser interior (seu espírito) está clamando por um toque do meu ser interior (do meu espírito); e eu estou clamando por um toque do seu ser interior (do seu espírito) e da igreja inteira. Esta é a comunhão interior de vida (é a comunhão do Espírito), a chamada e a resposta de um para outro. Esta é a única coisa mais necessária para sermos úteis diante do Senhor, e para tocarmos corretamente no espírito da igreja.
UMA MEIGUICE ALÉM DA IMITAÇÃO
Quando sugerimos que devemos ser meigos, não estamos procurando persuadir você a fingir-se meigo. Se você assim fizer, logo descobrirá que até mesmo esta meiguice fabricada pelos homens precisa ser destruída. Devemos aprender de uma vez por todas, que o esforço humano para imitar a meiguice é fútil. Tudo deve ser do Espírito Santo, pois somente Ele conhece nossa necessidade e disporá as circunstâncias que levarão ao quebrantamento de nossa alma.
É nossa responsabilidade pedir luz da parte de Deus, a fim de que possamos reconhecer a mão do Espírito Santo, e de boa mente, submeter-nos a Ele, reconhecendo que tudo quanto Ele faz é certo. Não sejamos como cavalos ou mulas sem entendimento. Pelo contrário, entreguemo-nos ao Senhor para Ele operar em nós. À medida em que você se entregar ao Senhor, descobrirá que Sua obra realmente começou cinco ou dez anos antes, embora não pareça que produziu qualquer fruto em você. Hoje, veio uma mudança. Finalmente, você pode orar: "Senhor, eu era cego, sem saber como Tu estavas me guiando. Agora, vejo que desejas quebrantar-me. Para isto, entrégo-me a Ti". Então, tudo que era infrutífero durante cinco ou dez anos começa a dar fruto. Achamos o Senhor entrando com perícia para destruir muitas coisas de cuja existência nem sequer tínhamos consciência. Esta é Sua obra de Mestre: despojar-nos do orgulho, do amor-próprio, e da exaltação de nós mesmos, a fim de que nosso espírito seja liberado e exercitado para a utilidade.
DUAS PERGUNTAS CORRELACIONADAS
Duas perguntas surgem aqui para a nossa consideração. Visto que o quebrantamento da nossa alma, é a obra do Espírito Santo que desafia as imitações feitas pelos homens, devemos procurar por fim a qualquer ação da carne que reconhecemos? Ou devemos esperar passivamente até que maiores luzes venham da parte do Espírito Santo, o Realizador da obra?
Certamente é correto e apropriado que acabemos com toda atividade carnal, mas devemos ver como isto é vastamente diferente de imitar a obra do Espírito Santo. Ilustrando: embora eu seja orgulhoso, devo recusar todo o orgulho, mas não finjo ser humilde. Ou, posso perder a calma com as pessoas, mas mantenho esta tendência sob controle; isto, porém, não me torna manso. Enquanto o negativo está lutando para ser reconhecido, devo resisti-lo sem trégua. Mesmo assim, não fingiria que possuo o positivo. Esta é a distinção importante: o orgulho é uma coisa negativa, de modo que devo tratar com ele; a humildade é algo positivo; portanto, não posso imitá-la. Embora eu deva colocar ponto final em todas as atividades da carne que me são conhecidas, não preciso imitar a virtude positiva. Tudo quanto preciso fazer é entregar-me ao Senhor, dizendo: "Senhor, não há razão para exercer minhas forças para imitar. Estou confiando no Senhor para fazer a obra." A imitação exterior (imitação da alma) não é de Deus; é do homem. Todos quantos buscam ao Senhor devem aprender de dentro (do seu interior, seu espírito), e não apenas conformar-se exteriormente (não deve conformar-se com a imitação da sua alma). Devemos permitir que Deus termine Sua obra dentro de nós, antes de podermos esperar que a evidência dela seja manifestada do lado de fora. Tudo quanto é fabricado externamente (fabricado na alma) é irreal e condenado à destruição. Quem possui uma coisa falsificada, sem o saber, defrauda a outros bem como a si mesmo. Assim como o comportamento falsificado se multiplica, a própria pessoa chega a acreditar que ela realmente tem esta personalidade. Frequentemente, é difícil convencê-la da sua irrealidade, porque não pode distinguir o certo do errado. Logo, não devemos procurar imitar exteriormente (pois, a nossa alma gosta de imitar). É muito melhor ser natural; assim fica aberto o caminho para Deus operar em nós. Sejamos singelos, e não imitemos coisa alguma, tendo plena confiança de que o próprio Senhor acrescentará Suas virtudes a nós.
A segunda pergunta é: Alguns são naturalmente dotados com uma virtude tal qual a mansidão; há uma diferença entre a mansidão natural e a mansidão que vem através da disciplina?
Há dois aspectos a serem considerados ao responder a esta pergunta. Primeiramente, tudo que é natural é independente do espírito, ao passo que tudo quanto vem através da disciplina do Espírito Santo está sob o controle do espírito, e se move somente à medida em que o espírito se move. A mansidão natural realmente pode tornar-se um impedimento para o espírito. A pessoa que é habitualmente mansa é mansa em si mesma, e não "no Senhor". Suponhamos que o Senhor queira que ela se levante e pronuncie algumas palavras enérgicas. Sua mansidão natural a impediria de seguir ao Senhor. Ela diria, pelo contrário: "Ah, isto eu não posso fazer. Nunca na minha vida pronunciei palavras tão duras. Que outra pessoa o faça. Eu simplesmente não posso". Você vê como sua mansidão natural não está sob o controle do espírito? Qualquer coisa que é natural tem sua própria vontade e é independente do espírito. Aquela mansidão, no entanto, que vem através do quebrantamento pode ser usada pelo espírito, porque não resiste nem oferece sua própria opinião.
Em segundo lugar, uma pessoa naturalmente mansa é mansa apenas enquanto você está de acordo com a vontade dela. Se você a forçá-la a fazer o que não gosta de fazer, mudará de atitude. Nas assim chamadas virtudes humanas, falta o elemento de abnegação. É óbvio que o propósito de todas elas é construir e estabelecer a vida do próprio-eu. Sempre que aquele próprio-eu é violado, as virtudes humanas desaparecem, todas elas. As virtudes que brotam da disciplina do Espírito Santo, do outro lado, somente são possuídas depois da vida feia do nosso próprio-eu ser quebrada, ali é vista a virtude verdadeira. Quanto mais o próprio-eu for ferido, tanto mais fulgurosamente brilha a verdadeira mansidão. A mansidão natural e o fruto espiritual, portanto, são basicamente diferentes.
UMA EXORTAÇÃO FINAL
Tendo ressaltado a importância de ser quebrantada a nossa alma, tenhamos cuidado para não procurar levá-la a efeito artificialmente. Devemos submeter-nos sob a poderosa mão de Deus, aceitando todos os tratamentos necessários. À medida em que a nossa alma é quebrantada, o nosso espírito é fortalecido. Alguns talvez achem o seu espírito ainda fraco. Não ore por forças para corrigir este defeito, pois a Bíblia nos ordena: "Fortalecei-vos!". Proclame que é seu alvo ser forte no espírito. A coisa maravilhosa é que depois da sua alma ter sido quebrantada, você pode ser forte sempre que quiser. O problema da força é resolvido com o problema da sua alma. Ao desejar ser forte, você é forte. Ninguém pode bloquear seu caminho. O Senhor diz: "Sê forte!". No Senhor você também diz: "Sê forte". E você descobre que você é forte no Senhor. Fortalecido no Senhor.
O nosso espírito é liberado somente depois de a nossa alma ter sido quebrantada. Este é o caminho básico para o serviço de Deus.