Evangelho de Marcos | Estudo 9
Leitura Bíblica: Marcos 8:27-38; 9:1-13
CONDUZIDOS A CESARÉIA DE FILIPE
Para conduzir os discípulos ao ponto descrito em Marcos 8:27-38; 9:1-13, foi necessário que eles passassem por vários estágios. Podemos tomar Pedro como exemplo. No capítulo 1 de Marcos, ele foi chamado pelo Senhor Jesus e começou a segui-Lo. Do capítulo um ao oito, Pedro e os outros fiéis seguidores passaram por diferentes estágios, avançando passo a passo, cada vez mais alto, até ser conduzidos a um lugar chamado Cesaréia de Filipe.
Marcos 8:27 diz: “E Jesus e os Seus discípulos saíram para as aldeias de Cesaréia de Filipe. E, no caminho, perguntou a Seus discípulos: Quem dizem os homens que sou Eu?”. Cesaréia de Filipe era na parte norte da Terra Santa, próximo à fronteira, ao sopé do monte Hermom, no qual o Senhor foi transfigurado. Ficava distante da cidade santa e do templo santo, onde a atmosfera da antiga religião judaica penetrava cada pensamento humano, não deixando espaço algum para Cristo, o Salvador-Servo. O Senhor levou os discípulos propositadamente a esse lugar de atmosfera límpida, para que seus pensamentos fossem libertados dos efeitos do ambiente religioso da cidade santa e do templo santo, e para que Ele lhes revelasse algo novo com relação a Si próprio. Foi ali que a visão a respeito Dele como o Cristo foi dada a Pedro.
Gostaria de enfatizar que o Senhor Jesus conduziu os discípulos a Cesaréia de Filipe a fim de que estivessem numa atmosfera límpida, uma atmosfera sem nuvens nem nevoeiro. Ele sabia que em tal atmosfera o entendimento e a visão espiritual deles estariam claros.
O Senhor Jesus levou Seus seguidores do rio Jordão e do Mar da Galiléia para Cesaréia de Filipe. Deve ter levado pelo menos dois anos para o Senhor fazê-los passar por todos os passos que os capacitaram a chegar a esse ponto. Esses passos estão registrados nos capítulos anteriores de Marcos. Em especial, três dos discípulos do Senhor — Pedro, João e Tiago -, estavam plenamente qualificados para ver o que nenhum outro ser humano tinha sido capaz de ver. Foram capazes de ver uma Pessoa maravilhosa, uma Pessoa que é o segredo do universo e um mistério para toda a humanidade. Ele também é o segredo da economia eterna de Deus. Embora fosse um homem, e até mesmo um homem na forma de servo, Ele era alguém excelente, maravilhoso e misterioso.
A fim de ganhar a visão a respeito dessa Pessoa, os discípulos tinham de passar pelos passos registrados nos capítulos anteriores. Precisavam ser curados de forma geral e então de forma específica. Cada função de seu ser — audição, visão e fala-, precisava ser curada. Após ter experimentado tanto a cura geral como a específica, estavam qualificados e capacitados para receber a visão a respeito de quem é o Senhor.
A REVELAÇÃO A RESPEITO DE CRISTO
O versículo 29 diz: “Mas vós, quem dizeis que Eu sou? Respondendo Pedro, disse-Lhe: Tu és o Cristo”. Aqui vemos que Pedro tomou a dianteira para declarar que Jesus é o Cristo. Ele não falou do Senhor simplesmente de maneira genérica como Cristo, como um ungido, mas disse: “Tu és o Cristo”. Esse termo pode não ser tão impressionante para nós hoje como foi no tempo dos discípulos. Pedro declarava que Jesus é o Cristo (o Ungido, o Messias).
Quando fez a declaração de que Jesus era o Cristo, talvez Pedro não tivesse muita clareza a respeito desse ponto, contudo, viu que o Senhor não era comum, não era uma pessoa corriqueira. Ele percebeu algo muito especial a respeito do Senhor: que Ele é o Cristo, o Ungido de Deus, o Messias. Como já ressaltamos, para que Pedro pudesse ter essa visão, foi necessário que ele e os outros discípulos passassem por todos os passos dos capítulos anteriores, a fim de ser conduzidos ao estágio de receber a visão a respeito da Pessoa de Cristo.
A REVELAÇÃO A RESPEITO DA CRUCIFICAÇÃO E RESSURREIÇÃO DE CRISTO
No versículo 31 o Senhor Jesus abriu alguns dos mistérios da economia divina a respeito de Si mesmo como o Cristo, o Ungido de Deus. Nesse versículo o Senhor Jesus se refere a Si mesmo como o Filho do Homem. Depois que Pedro teve a visão de que o nazareno Jesus era o Cristo, o Senhor Jesus prosseguiu desvendando que Ele, o Ungido de Deus, é o Filho do Homem. Ver que o Messias é o Filho do Homem é grandioso.
No versículo 31 o Senhor Jesus prosseguiu, revelando que o Messias, que é o Filho do Homem, devia sofrer e ser rejeitado. Em vez de ser honrado, respeitado e exaltado, Ele seria desonrado, desprezado e rejeitado. O Senhor Jesus disse que iria sofrer muitas coisas, ser rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas e até mesmo ser morto e após três dias ressuscitar.
PEDRO REPREENDE O SENHOR E O SENHOR REPREENDE PEDRO
No final do versículo 31, o Senhor Jesus indica claramente que Ele, o Cristo, iria ressuscitar após três dias. Assim, de maneira breve, Ele falou a respeito de Sua ressurreição, mas duvido que isso tenha impressionado Pedro. Ele não tinha nenhum entendimento sobre o que significava o Senhor ressuscitar após três dias. Ou Pedro não ouviu essa palavra ou não tinha idéia do que se tratava.
Em Marcos 8:32 é-nos dito que o Senhor “falava essa palavra abertamente”. Esse versículo diz ainda: “Pedro, tomando-O à parte, começou a repreendê-Lo”. Pedro realmente começou a repreender o Senhor Jesus! Repreender alguém implica que ele está errado e necessita ser ajustado. Se alguém não está errado, não há necessidade de repreendê-lo e assim corrigi-lo. O fato de Pedro repreender o Senhor indica que ele pensava que o Senhor estivesse errado ao dizer que o Messias seria desprezado, sofreria perseguição e seria morto. Pedro parecia dizer: “Senhor, que dizes? Tu és o Messias. Certamente estás errado ao dizer-nos que o Messias será desprezado, rejeitado e morto. Preciso corrigir-Te a esse respeito”.
De acordo com o versículo 32, Pedro até mesmo tomou o Senhor à parte a fim de repreendê-Lo, Aparentemente Pedro se esforçava para treinar o Senhor, ensiná-Lo e abrir Seus olhos a fim de ver o que Pedro via. Nem Mateus nem Lucas nos dão esse detalhe a respeito de Pedro ter tomado o Senhor à parte, apenas o Evangelho de Marcos o faz. Marcos recebeu esse relato do próprio Pedro. Pedro, então, deve ter contado a Marcos que tomara o Senhor à parte e começara a repreendê-Lo. Será que o Senhor concordou com Pedro quando ele fez isso? Depois que Pedro começou a repreendê-Lo, Ele repreendeu Pedro. Pedro tentou corrigir o Senhor e, então, o Senhor o corrigiu.
No versículo 33 vemos como o Senhor Jesus repreendeu Pedro: “Mas Ele, virando-se e olhando para os Seus discípulos, repreendeu a Pedro e disse: Para trás de Mim, Satanás! porque não cogitas nas coisas de Deus, e, sim, nas dos homens”. Nos quatro Evangelhos talvez essa seja a palavra negativa mais forte pronunciada pelo Senhor Jesus. Ele discerniu que não era Pedro, e, sim, Satanás que O estorvava de tomar a cruz. Isso nos revela que nosso homem natural, que não quer tomar a cruz, é um com Satanás. Quando não cogitamos nas coisas de Deus, isto é, não colocamos a mente nas coisas de Deus, e sim nas dos homens, nós nos tornamos Satanás, uma pedra de tropeço para o Senhor cumprir o propósito de Deus.
COGITAR NAS COISAS DOS HOMENS
A palavra do Senhor Jesus aqui nos faz lembrar da palavra de Paulo a respeito da "mente". Em Romanos 8:6, Paulo diz: “Porque o mente da carne dá para a morte, mas a mente do Espírito, para a vida e paz”. Sem dúvida, nesse momento Pedro tinha posto a mente na carne. Quando arrazoava a respeito dos sofrimentos e morte de Cristo, ele estava pondo a mente na carne. 'o vocábulo pendor, em grego, é mente, mentalidade.
SEGUIR APÓS O SENHOR
Em mensagem anterior a respeito do Senhor expondo a condição de nosso coração, ressaltei que no final do capítulo sete não temos a solução para a condição interior do homem. Aqui, no capítulo oito, temos a solução. A solução é que, como pessoas caídas com coração maligno, precisamos ter Cristo. Precisamos segui-Lo, participar Dele, desfrutá-Lo, e experimentá-Lo. Então Ele mesmo será o “remédio” para curar nosso coração maligno. Portanto, a solução para a condição de nosso coração maligno é o próprio Cristo.
No capítulo 8 de Marcos temos não apenas a revelação da maravilhosa Pessoa de Cristo, mas também de Sua maravilhosa morte. Em Sua morte somos crucificados, anulados e temos fim. Portanto, quando chegamos para ganhar Dele, precisamos negar a nós mesmos; isto é, colocar-nos de lado e esquecer de nós mesmos.
A NECESSIDADE DAS EPÍSTOLAS DE PAULO
Em Marcos 8:34, o Senhor Jesus diz: “Se alguém quer seguir após Mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-Me”. Na mensagem anterior vimos que seguir após o Senhor é ganha-Lo, experimentá-Lo, desfrutá-Lo e partilhá-Lo. Se queremos seguir após o Senhor dessa maneira, precisamos negar a nós mesmos, tomar a cruz e segui-Lo. Vamos ver agora o que significa tomar a cruz.
TOMAR NOSSA CRUZ
Muitos cristãos entendem mal a cruz. Pensam que tomar a cruz é sofrer dificuldades. Esse era meu conceito há mais de quarenta anos. Eu dizia aos outros que as dificuldades em seu ambiente lhes eram uma cruz. Por exemplo, se seu marido ou esposa lhe está criando problemas, isso é cruz. Mas, quando o Senhor Jesus fala de tomar a cruz, Ele não quer dizer isso. Ele quer dizer que devemos aplicar a cruz a nosso viver. O verdadeiro significado da cruz não é sofrimento: é término. Nos tempos antigos, crucificação não era utilizada meramente para trazer sofrimentos, e sim para matar. Assim crucificação é igual a morte, término.
Tomar a cruz visa que tenhamos fim. Gostaria de enfatizar que a cruz visa ao término, e não ao sofrimento. Às vezes os crentes não são ajudados pelos sofrimentos. Conheci certas pessoas que sofreram muito e como resultado tornaram-se muito obstinadas. Quanto mais uma pessoa sofre em si mesma, mais sua obstinação é fortalecida. Os que passaram por dificuldades na vida e se tornaram de vontade forte são extremamente difíceis de ser tocados. Finalmente, quando uma pessoa assim atinge os sessenta ou setenta anos, pode ter ficado tão forte em sua vontade que talvez não mude mais.
O conceito de que a cruz é sofrimento é contrário à revelação da palavra do Senhor em Marcos 8:34. Nesse versículo Ele diz: “Se alguém quer seguir após Mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-Me”. Aqui o Senhor Jesus fala-nos de negar a nós mesmos, negar o nosso ego. Negar o nosso ego é desistir dele; não é preservá-lo, de modo que, assim, ele sofra.
Aplicar o que Cristo Realizou na Cruz:
Tomar a cruz não é questão de sofrimento, e sim de aplicar à nossa vida aquilo que Cristo realizou na cruz para pôr fim a nós mesmos. Portanto tomar a cruz é aplicar esse término a nós mesmos. Dia a dia necessitamos aplicar esse término. Se o fizermos, perceberemos não que estamos sofrendo, e sim que chegamos ao fim.
Suponha que um irmão diga: “Agradeço ao Senhor, porque em Sua soberania, Ele me deu uma esposa que me faz sofrer e carregar a cruz. A minha esposa é uma cruz dada a mim por Deus e agora preciso carregá-la”. Esse entendimento sobre tomar a cruz é um erro sério e, na verdade, está relacionado com o entendimento encontrado no catolicismo. Até certo ponto, pelo menos, esse entendimento errôneo a respeito da cruz foi promovido por um livro chamado "A Imitação de Cristo".
Um irmão casado não necessita aprender a sofrer, mas precisa perceber que, como marido, já teve fim em Cristo e agora deve viver como um marido terminado, simplesmente desfrutando o término de Cristo. Então poderá dizer à esposa: “Querida, não estou tentando ser bom marido, ser um marido bondoso e gentil. Estou aqui como um marido terminado, Quanto mais eu me dispuser a experimentar o término de Cristo, melhor serei como marido, pois então Cristo viverá em mim. Ao viver em mim, Ele será seu marido por meio de mim”.
Seguir após o Senhor é participar Dele, desfrutá-Lo, experimentá-Lo e deixá-Lo se tornar nosso ser. Para isso precisamos negar a nós mesmos. Precisamos aplicar a nós o término que Cristo realizou na cruz. Isso quer dizer que tomar a cruz é aplicar o término de Cristo a nós. Quando o fazemos, tornamo-nos uma pessoa eliminada, e não uma pessoa que sofre. Então poderemos testificar: “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”.
A palavra de Cristo a respeito de tomar a cruz é um mistério. Não poderíamos entendê-la se tivéssemos apenas Marcos 8:34. Para entendê-la adequadamente necessitamos das catorze Epístolas de Paulo.
A cruz não é meramente um sofrimento; é também um matar. A cruz mata e põe fim ao criminoso. Cristo primeiro carregou a cruz e depois foi crucificado. Nós, Seus crentes, primeiro fomos crucificados com Ele e depois carregamos a cruz, dia a dia. Para nós, carregar a cruz é permanecer sob o aniquilar da morte de Cristo para o término de nosso ego, vida natural e velho homem. Ao fazê-lo, negamos nosso ego para seguir o Senhor.
Antes da crucificação do Senhor, os discípulos O seguiram de forma exterior. Mas, a partir de Sua ressurreição, nós O seguimos de maneira interior. Como em ressurreição Ele se tornou o Espírito que dá vida que habita em nosso espírito, nós O seguimos em nosso espírito (1Co 15:45; 2Tm 4:22). Gálatas capítulo 5 versículos 16 ao 25, nos diz: "Portanto, vos afirmo: Vivei pelo Espírito, e de forma alguma satisfareis as vontades da carne! Porquanto a carne luta contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne. Eles se opõem um ao outro, de modo que não conseguis fazer o que quereis. Contudo, se sois guiados pelo Espírito, já não estais subjugados pela Lei. Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatrias e feitiçarias; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez, orgias e tudo quanto se pareça com essas perversidades, contra as quais vos advirto, como já vos preveni antes: os que as praticam não herdarão o Reino de Deus! Entretanto, o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Contra essas virtudes não há Lei. Os que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e os seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, andemos de igual modo sob a direção do Espírito.
MENTE, EGO E VIDA DA ALMA
Em Marcos 8:33-35 três questões estão inter-relacionadas: mente, ego e vida da alma. A mente é a expressão do ego, e o ego é a corporificação da vida da alma. A vida da alma está corporificada no ego e é vivida por ele, e o ego é expresso mediante a mente, pensamento, conceito, opinião. Quando colocamos a mente nas coisas do homem, e não nas coisas de Deus, ela aproveita a oportunidade para agir e se expressar. Foi isso que aconteceu com Pedro. Por isso o Senhor Jesus disse que devemos negar o ego e não salvar a vida da alma. Em vez de salvar a vida da alma, devemos perdê-la. Perder a vida da alma é a realidade de negar o ego. Isso é tomar a cruz.
PERDER A VIDA DA ALMA POR CAUSA DE CRISTO E DO EVANGELHO
Não se Trata de Mero Comportamento:
No versículo 35, o Senhor Jesus fala de perder a vida da alma por Sua causa e do evangelho. Muitos leitores de Marcos interpretam mal essas palavras. Talvez alguns digam: “As palavras 'por causa de Mim' significam para o propósito e glória do Senhor. A expressão 'por causa do evangelho' deve significar por causa da pregação do evangelho, por causa da eficácia e resultado do evangelho. Por causa da glória do Senhor e da pregação do evangelho, devo comportar-me bem”. Esse conceito está errado. Não é uma interpretação correta da palavra do Senhor aqui.
Viver Cristo e o Evangelho:
Qual, então, é o entendimento correto de “por causa de Mim e do evangelho”? Aqui, por causa do Senhor na verdade significa “não mais eu, mas o evangelho”. Tivemos fim em Cristo. Agora precisamos aplicar esse término a nós mesmos e a cada aspecto de nosso viver. Assim em nosso viver será “não mais eu, mas Cristo; não mais eu, mas o evangelho”. Isso significa que viveremos Cristo e viveremos o evangelho. É bem diferente de tentar comportar-nos adequadamente como cristãos por causa da glória do Senhor e da eficácia do evangelho.
Vamos ilustrar a diferença entre viver Cristo e o evangelho, e tentar comportar-se adequadamente por causa de Cristo e do evangelho. Suponha que determinado irmão trabalhe num escritório, Ele pode dizer para si mesmo: “Meus colegas, aqui no escritório, percebem que sou cristão e que estou na vida da igreja, na edificação do Senhor. Recentemente preguei o evangelho a eles, por isso, agora preciso comportar-me e tomar muito cuidado com o que digo e faço. Por causa do evangelho preciso ser cuidadoso com meus colegas. Agora que preguei o evangelho a eles e lhes disse que estou na vida da igreja, preciso ser muito vigilante em relação à minha conduta”. Na verdade, isso é esforço próprio do irmão. Além disso, é um entendimento absolutamente incorreto da palavra do Senhor em Marcos 8:35. Se esse irmão tiver o entendimento correto da palavra do Senhor, dirá para si mesmo: “Como seguidor do Senhor Jesus, tenho parte Nele. Fui crucificado com Ele, por isso, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Não preciso tentar comportar-me bem no trabalho nem me policiar para ser cuidadoso. Antes, devo simplesmente viver Cristo dia a dia. Quando acordo de manhã, preciso invocar o Senhor Jesus e inspirá-Lo. Conforme invoco, Ele se toma minha respiração, o elemento intrínseco e essencial do meu ser interior, a essência do meu viver. Então no escritório eu simplesmente vivo Cristo. Não tentarei deliberadamente pregar o evangelho a meus colegas nem irei preocupar-me pelo fato de ter-lhes dito que estou na vida da igreja. Só me preocupo com uma coisa: viver Cristo. O dia todo quero inspirar Cristo e então vivê-Lo”. Esse é o entendimento correto sobre perder a vida da alma por causa de Cristo.
O princípio é o mesmo quanto a viver por causa do evangelho. Quando vivemos Cristo, certamente viveremos o evangelho. Quando vivermos Cristo, os outros verão o evangelho em nosso viver e não apenas o ouvirão. Nosso viver será Cristo, e esse Cristo se tornará o evangelho aos outros de forma real e prática. Por meio disso vemos que viver por causa de Cristo e do evangelho não é questão de comportamento; mas de viver Cristo de modo prático. A respeito disso, gostaria de dizer novamente que necessitamos das Epístolas de Paulo para ter um entendimento adequado da palavra do Senhor no versículo 35.
Em Marcos 8:27-38 não temos apenas a revelação da Pessoa maravilhosa do Senhor, como também da Sua morte e ressurreição. Essa revelação também inclui nossa aplicação da morte do Senhor e nosso viver em Sua ressurreição. Por meio da aplicação da morte de Cristo a nós, podemos viver em Cristo em ressurreição.
A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR: A VINDA DO REINO DE DEUS COM PODER
Levados a Um Alto Monte:
Marcos 9:2 diz: “Seis dias depois, tomou Jesus Consigo a Pedro, a Tiago é a João, e os levou sós, em particular, a um alto monte. E foi transfigurado diante deles”. Como a transfiguração do Senhor ocorreu seis dias depois da revelação a respeito de Cristo, da Sua morte e ressurreição no capítulo oito (dada no sopé do monte Hermom), o alto monte aqui deve ser o monte Hermom. A fim de que recebamos a revelação a respeito de Cristo, de Sua morte e ressurreição, precisamos estar longe do ambiente religioso. Mas para ganhar a visão do Cristo transfigurado precisamos ser levados a um alto monte, muito acima do nível terreno.
Moisés e Elias:
No versículo 4 o relato continua: “E apareceu-lhes Elias com Moisés, e estavam conversando com Jesus”. Moisés morreu e Deus escondeu seu corpo (Dt 34:5-6), e Elias foi tomado por Deus ao céu (2Rs 2:11), Deus fez essas duas coisas de propósito para que Moisés e Elias pudessem aparecer com Cristo no monte de Sua transfiguração. Eles foram preservados por Deus para ser as duas testemunhas na grande tribulação (Ap 11:3-4). Moisés representa a lei, e Elias, os profetas; a lei e os profetas compõem o Antigo Testamento como pleno testemunho de Cristo (Jo 5:39). Agora Moisés e Elias aparecem e conversam com Cristo a respeito de Sua morte, da qual já se profetizara no Antigo Testamento (Lc 9:31; 24:25-27, 44; 1Co 15:3).
Com o Senhor Jesus no monte, Pedro, Tiago e João tiveram um antegozo do reino vindouro. Aqui vemos uma miniatura do milênio. Temos os santos do Antigo Testamento (Moisés e Elias) e os santos do Novo Testamento (Pedro, Tiago e João). Podemos dizer que Moisés, um dos santos do Antigo Testamento, representa os ressurretos, e Elias, Pedro, Tiago e João, todos vivos, representam os que são arrebatados.
A Proposta Absurda de Pedro:
Pedro estava muito eufórico e disse ao Senhor Jesus: “Rabi, bom é estarmos aqui; façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias” (Mc 9:5). A proposta absurda de Pedro era colocar Moisés e Elias no mesmo nível que Cristo; isto é, igualou a lei e os profetas a Cristo. Isso é absolutamente contrário à economia de Deus, na qual a lei e os profetas são somente um testemunho de Cristo; portanto, jamais devem ser colocados no mesmo nível que Ele.
Ouvir o Filho:
Marcos 9:7 diz: “E veio uma nuvem que os cobriu; e da nuvem saiu uma voz: Este é o Meu Filho amado; a Ele ouçam”. Essa declaração, dada pelo Pai para vindicar Seu Filho, foi proferida pela primeira vez quando Cristo subiu da água do batismo, que representava Sua ressurreição dos mortos. Esta é a segunda vez que o Pai faz essa declaração, agora para vindicar o Filho em Sua transfiguração, que prefigura o reino vindouro.
No versículo 7 Deus ordena que ouçamos Seu Filho. Na economia de Deus, depois que Cristo veio, devemos ouvir somente a Ele; não mais devemos ouvir a lei ou os profetas, visto que estes se cumpriram em Cristo e por meio Dele.
O versículo 8 continua: “E, de repente, olhando ao redor, a ninguém mais viram, senão só a Jesus com eles”. Pedro propôs manter Moisés e Elias, ou seja, a lei e os profetas, com Cristo; Deus, porém, os levou embora, não deixando ali ninguém, senão só Jesus. A lei e os profetas eram sombras e profecias, e não a realidade; a realidade é Cristo. Agora que Cristo, a realidade, está aqui, as sombras e profecias não são mais necessárias. Ninguém além de Jesus deve permanecer no Novo Testamento. Ele é o Moisés de hoje; como tal, infunde a lei da vida em Seus crentes. É também o Elias de hoje; como tal, fala por Deus e declara Deus em Seus crentes. Essa é a economia neotestamentária de Deus.
Na era do Novo Testamento trata-se de “só Jesus”. Devemos ouvi-Lo, e não a lei representada por Moisés ou os profetas representados por Elias. O próprio Cristo é o Novo Testamento. No capítulo 9 de Marcos uma miniatura do Milênio apareceu brevemente como exemplo para os discípulos do Senhor. Depois a cena voltou à era do Novo Testamento.
A Ressurreição de Cristo:
Marcos 9:9 diz: “Ao descerem do monte, ordenou-lhes Jesus que a ninguém contassem o que tinham visto, senão quando o Filho do Homem ressuscitasse dentre os mortos”. Isso indica que só se pode ter uma visão clara do Jesus transfigurado e glorificado na ressurreição de Cristo.
O versículo 10 diz: “Eles guardaram essa palavra, discutindo entre si o que seria o ressuscitar dentre os mortos”. Naquele tempo Pedro, Tiago e João não entendiam o que o Senhor queria dizer quando falou que o Filho do Homem iria ressuscitar dentre os mortos. Eles haviam tido uma visão, mas não a entenderam plenamente. Mas, no dia de Pentecostes, quando Pedro se levantou com os onze, ele tinha clareza e pôde testificar categoricamente a respeito da ressurreição de Cristo. No dia de Pentecostes, o ponto central de sua pregação foi a ressurreição do Senhor Jesus. Ele não apenas veio a entender o que é a ressurreição, como também ele mesmo estava nela. Ele passou a viver Cristo em Sua morte e ressurreição.
O PONTO ALTO DO EVANGELHO DE MARCOS
No capítulo 8, o Salvador-Servo curou um cego em Betsaida. Ele fez mais nessa cura do que em qualquer outro caso. Por exemplo, o primeiro caso de cura em Marcos é o da sogra de Pedro. Essa cura foi facilmente levada a cabo. O Senhor simplesmente tomou-a pela mão e a levantou. Então a febre a deixou e ela os serviu (Mc 1:31). Desde essa primeira cura, esse livro avança passo a passo, até que, no capítulo sete, temos a exposição do coração humano, da condição interior do homem. Depois de expor a condição do coração humano, o Senhor Jesus revelou ser Ele o pão, nosso suprimento de vida. Ele não é apenas o Deus que perdoa, mas também nosso Médico, o Noivo, o Davi de hoje e o Emancipador. Ele também é, tanto Aquele que alimenta, como também o pão.
Depois que o Senhor Jesus Se revelou como pão para nos nutrir interiormente, temos os relatos das curas feitas de forma específica: a cura dos ouvidos e da língua do surdo-mudo, e também a dos olhos de um cego. Após essas curas específicas, podemos dizer que temos uma pessoa completa cujos órgãos foram curados de maneira específica. Agora essa pessoa está preparada e qualificada para receber a revelação da Pessoa de Cristo e de Sua morte e ressurreição.
A fim de revelar Sua Pessoa e Sua morte e ressurreição, o Senhor Jesus levou os discípulos para longe da região religiosa, para Cesaréia de Filipe. Enquanto estavam a caminho, Ele perguntou aos discípulos: “Quem dizem os homens que Eu sou?” (Mc 8:27). Depois que responderam, o Senhor continuou a perguntar: “Mas vós, quem dizeis que Eu sou?” (v. 29). Nesse momento Pedro teve a visão de que Jesus é o Cristo, e declarou: “Tu és o Cristo”. A revelação dada em Cesaréia de Filipe é o estágio mais elevado, o clímax do livro de Marcos. Antes de os discípulos serem levados pelo Senhor Jesus para Cesaréia de Filipe, seus olhos foram curados. Assim, tinham condições de ver não itens comuns ou materiais, mas misteriosos e divinos. Especificamente seus olhos foram abertos para ver Cristo, Sua morte todo-inclusiva e Sua maravilhosa ressurreição. Na esfera dos itens divinos e misteriosos, a revelação de Cristo e de Sua morte e ressurreição está em primeiro lugar.
UM MISTÉRIO PARA O HOMEM NATURAL
O Senhor Jesus é um mistério para o homem natural e para a mente natural. Até mesmo hoje, alguns estudiosos judeus estudam quem foi Jesus. Também estudam Sua crucificação. Como a Pessoa de Cristo e Sua morte e ressurreição são as questões mais elevadas na esfera dos itens misteriosos e divinos, até mesmo alguns professores cristãos de teologia e também estudiosos judeus não tiveram visão a esse respeito.
CURAR E ALIMENTAR
CRISTO E SUA MORTE E RESSURREIÇÃO
Já dissemos que ali o Senhor Jesus falou aos discípulos a respeito de Si mesmo. Ao falar-lhes, Ele lhes abriu a esfera dos itens divinos e misteriosos. Pelo menos um dos discípulos chegou a ver que Ele era o Cristo. Mas ainda viu a Pessoa de Cristo de forma limitada. Não viu nada a respeito de Sua morte e ressurreição. Por essa razão o Senhor a seguir lhes disse que seria crucificado e após a morte ressuscitaria. Ao falar sobre Sua morte e ressurreição, o Senhor Jesus abriu mais a esfera dos itens misteriosos e divinos. Ele lhes mostrou não apenas Sua Pessoa; mas também lhes revelou Sua maravilhosa morte e Sua maravilhosa ressurreição.
O SUBSTITUTO TODO-INCLUSIVO
Quando o Senhor Jesus revelou aos discípulos Sua morte e ressurreição, talvez eles tenham ficado confusos. Pedro, especialmente, não entendeu e chegou a repreendê-Lo (Mc 8:32). Então o Senhor Jesus repreendeu Pedro dizendo: “Para trás de Mim, Satanás! você não pensa nas coisas de Deus, e, sim, nas dos homens” (Mc 8:33). O Senhor Jesus ainda disse: “Se alguém quer seguir após Mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-Me” (Mc 8:34). Você sabe o que significa negar a si mesmo? Negar a si mesmo é ser substituído por Cristo. Aqui o Senhor parecia dizer, especialmente a Pedro: “Já que você viu Cristo, então precisa ser substituído por Ele. Precisa ser colocado de lado e permitir que Cristo tome posse de você, que Cristo se torne sua vida e sua pessoa. Você precisa negar a si mesmo e ser substituído por Cristo”.
SUBSTITUÍDO POR CRISTO POR MEIO DA MORTE E RESSURREIÇÃO
Precisamos perceber que é necessário negar nosso ego. Nossa atitude deve ser de querer ser substituído por Cristo. Também precisamos ver que uma substituição foi preparada para nós, e essa substituição é Cristo. Nas palavras de Paulo em Gálatas 2:20, não devemos mais ser nós que vivemos, mas Cristo deve viver em nós. Quando vivemos, vivemos segundo nosso coração corrupto. Vivemos de acordo com nós mesmos e em nosso interior temos um coração maligno. Se queremos ser livrados do que somos em nós mesmos, livrados do coração maligno, precisamos negar a nós mesmos que, na verdade, significa ser substituído por Cristo mediante Sua morte e ressurreição.
A morte de Cristo na cruz nos incluiu. Isso significa que quando Ele morreu, nós morremos também. Agora precisamos perceber esse fato e aplicá-lo a nosso viver — isso é tomar a cruz. Portanto, tomar a cruz significa admitir que tivemos fim pela morte de Cristo e aplicar esse término a nós. Ao fazê-lo, a vida de ressurreição surge.
Em nosso viver diário, o Cristo crucificado e ressurreto é o Espírito que dá vida, a realidade da ressurreição? E Cristo é, de fato, o Espírito que dá vida. Sempre que aplicamos a cruz de Cristo, o Espírito que dá vida, como realidade da ressurreição de Cristo, surge para ser nosso verdadeiro substituto. Então podemos dizer: “Fui crucificado com Cristo, já não sou mais eu quem vive, mas Cristo vive em mim”.
O QUE DEUS QUER
Deus não quer nada que sejamos em nós mesmos. Ele não quer nossa carne e não quer nosso coração em corrupção. Só quer Cristo, pois Cristo é o substituto singular e todo-inclusivo. Em Marcos 9:7, Deus declarou: “Este é o Meu Filho amado; a Ele ouvi”. Precisamos ouvi-Lo, e não a nós mesmos. Não devemos ouvir nossa mente, emoção ou vontade. Não devemos ouvir o que pensamos, imaginamos ou amamos. Devemos ouvir a Cristo. Cristo é o amado de Deus, Seu favorito. É o que substitui todos e tudo. Assim Ele deve ter toda a base em nosso viver. Tudo em nosso viver deve ser entregue a Ele.
VIVER CRISTO MEDIANTE SUA MORTE E RESSURREIÇÃO
Para interpretar esses versículos dos capítulos 8 e 9 de Marcos precisamos das catorze Epístolas escritas por Paulo. Com a ajuda delas podemos ver um quadro nos primeiros oito capítulos e meio de Marcos. Que possamos ser tão profundamente impressionados por esse quadro, que jamais venhamos a esquecê-lo! Louvado seja o Senhor porque esse quadro nos inclui! Estamos numa esfera divina vivendo Cristo mediante Sua morte e ressurreição. Que maravilhoso! Louvado seja o Senhor por esse clímax do Evangelho de Marcos, em que temos a revelação de Cristo com Sua morte e ressurreição!
Jesus é o Senhor!